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09 de Abril de 2020 às 10:06

O confinamento

A rotina é nestes dias o nosso pior inimigo. A rotina a que estamos forçados, a rotina do confinamento, a falta de socialização, a rotina da avalancha de notícias.

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Back to basics
"Uma das grandes falhas da raça humana é que toda a gente quer construir de novo, mas muito poucos querem preservar e manter o que existe."
Kurt Vonnegut

O confinamento
A rotina é nestes dias o nosso pior inimigo. A rotina a que estamos forçados, a rotina do confinamento, a falta de socialização, a rotina da avalancha de notícias. Aos poucos, os números elevadíssimos de consumo de internet e de televisão começam a voltar a valores mais próximos das médias anteriores ao estado de emergência. Embora continue alto o consumo de notícias, já começa a subir o consumo de entretenimento - filmes, séries, musicais, documentários, e, claro, culinária. O teletrabalho fez explodir a venda de impressoras domésticas e de máquinas de café. Na realidade, as antigas rotinas são substituídas por novas. Olhamos para o horizonte e o ar está mais límpido. No espaço de poucas semanas, a vida mudou imenso - desde o vazio das ruas das cidades até à maneira como reorganizamos os nossos hábitos. Há um contraste enorme que percorre a sociedade - entre aqueles que estão em casa a trabalhar, com tudo o que isso comporta, e aqueles que estão nos hospitais, na rua, nas tarefas essenciais que garantem a nossa vida colectiva. O Estado, esse ser sem cara e nas mais das vezes com pouco coração, até deu uns laivos de humanidade nestas semanas. Mas falta imenso - há sectores básicos da sociedade e da economia, sobretudo nas microempresas, que continuam a braços com tratamentos discriminatórios. O Estado, que há uns anos fomentou a criação dessas microempresas e a criação de postos de trabalho, com a consequente redução dos números e custos do desemprego, ainda tem muito para fazer neste sector. Se nesta altura se criarem novas barreiras e diferenças entre várias áreas de actividade, todos vamos perder. A pior de todas as rotinas é a da resignação, e há muita gente que conta com ela e com a aceitação do mal menor. E, no entanto, só recuperaremos se nos excedermos, se ambicionarmos reconstruir e recuperar. É isso que devemos exigir da Europa, é isso que devemos exigir dos governos. Ficarmos na rotina não basta - é demasiado perigoso.

Dixit
"Há um velho ditado grego que apetece recuperar agora: "Aquele a quem os deuses desejam destruir, primeiro enlouquecem." A Europa, antes de se destruir, está a enlouquecer."
Fernando Sobral

Semanada

Foram apreendidos mais de 100 quilogramas de cocaína no Porto de Sines durante uma operação de controlo a um contentor proveniente da América do Sul segundo a CNN, dois pandas do Jardim Zoológico Ocean Park, em Hong Kong, China, que não acasalavam há dez anos, fizeram-no quando o zoo fechou devido ao coronavírus uma cobra pitão com 2,60 metros de comprimento que foi capturada na quinta-feira, no Percurso Pedestre da Fonte Benémola, em Querença, no interior do concelho de Loulé, foi transportada para o Zoo de Lagos foram criadas duas áreas de refúgio para cavalos-marinhos na ria Formosa e as capitanias de Olhão e Faro determinaram para estas zonas a "suspensão temporária da circulação de todas as embarcações" um relatório do Conselho da Europa mostra que as penas de prisão em Portugal continuam a ter uma duração muito superior às dos outros países europeus e a taxa de mortalidade nas cadeias portuguesas está entre os 12 países onde essa estatística é a mais elevada Portugal reciclou mais 10% em 2019, face ao ano anterior, tendo sido encaminhados para reciclagem mais de 388 mil toneladas de resíduos de embalagens, anunciou a Sociedade Ponto Verde  a pandemia está a afectar a indústria livreira e, segundo a GfK, na semana de 23 a 29 de Março, venderam-se menos 66,7% de livros que na semana homóloga do ano passado também segundo a GfK, na semana de 23 a 29 de Março, as vendas online de aparelhos eléctricos alcançaram 33% do total, quando antes do confinamento valiam 8% comparando com igual período do ano passado, a venda de impressoras domésticas aumentou 172% , as consolas aumentaram 122%, as máquinas de café 54% e os portáteis 33%.


Dois mundos
"Sementes Mágicas", de V.S. Naipaul, é a continuação de um anterior romance, também já editado em Portugal, "Metade da Vida". Destaca-se aqui de novo a forma de escrita de Naipaul, muito bem transmitida e interpretada pela tradução de Maria João Lourenço. Os dois romances acompanham a vida e as dúvidas de Willie Chandran, um homem de identidade incerta que, aos 45 anos, se interroga sobre o seu papel no mundo e o sentido da sua vida. Willie Chandran tem atrás de si uma vida errante: saiu da Índia, onde nasceu, viveu em Londres, em Moçambique e em Berlim. E é a partir de Berlim, para onde regressara depois de deixar África e um casamento, que decide regressar à Índia. O seu regresso é estimulado pela irmã, Sarojini, uma realizadora de documentários empenhada politicamente, que considera que Willie leva uma vida passiva, sem direcção nem objectivo. Influenciado pela irmã, resolve juntar-se a um grupo revolucionário clandestino e regressa à Índia - mas encontra-se perante uma organização dividida e é apanhado, digamos, pelo lado errado da História. Quando, depois de muitas peripécias volta ao Reino Unido, onde a sua demanda começara 30 anos antes, encontra um país que virou costas ao seu passado colonial. Willie dá consigo a reflectir sobre aquilo em que a sociedade britânica se transformou e na sua própria vida. De certa forma, "Sementes Mágicas" é a forma de Naipaul reavaliar a sua carreira e a sua obra e a personagem de Willie, assim como a sua evolução, tem não poucos paralelos com o que foi também a evolução da carreira literária de Naipaul e a sua visão do mundo - dos dois mundos da sua vida e da sua escrita, o da colónia e o da potência colonial.

Fotografias
O Instagram tornou-se na galeria que vou visitando. Esta semana dei com a foto que reproduzo, da autoria de João Miguel Barros, um advogado português que trabalha em Macau e que tem desenvolvido intensa actividade como fotógrafo, curador independente e editor da publicação de fotografia ZinePhoto. Esta fotografia é um auto-retrato, "Self-portrait of a not so young artist in times of crisis", e foi uma das imagens seleccionadas e premiadas pelo júri do Fotofestival Lenzburg, para a série "Times Under Pressure". Pode saber mais sobre o festival em https://www.fotofestivallenzburg.ch/en/. O trabalho deste autor pode ser seguido em www.instagram.com/joaomiguel.barros e em http://www.jmb.photo. Outras sugestões, ainda no Instagram: David Guttenfelder é um fotógrafo que trabalha regularmente para a revista National Geographic e tem estado a publicar no Instagram imagens de uma viagem que fez por estrada pelos Estados Unidos ainda antes do início da pandemia - podem encontrá-lo em instagram.com/dguttenfelder. Para terminar, sugiro que visitem o Instagram da cooperativa de fotógrafos Magnum, que tem feito uma série de iniciativas ligadas com estes tempos que vivemos - podem ver em instagram.com/magnumphotos. E um dos fotógrafos da Magnum é o britânico Martin Parr, cujo trabalho pode ser visto em instagram.com/martinparrstudio.

A voz
Cantora, pianista, compositora, Nina Simone percorreu muitos territórios musicais ao longo da vida. Entre os discos da última fase da sua carreira, está "Fodder on My Wings", um registo que tem andado esquecido e que teve sempre uma divulgação reduzida. A editora Verve resolveu agora relançá-lo. Editado originalmente em 1982, gravado em Paris, o disco é influenciado pelos músicos africanos que ela encontrou na capital francesa - Paco Sery na percussão, Sydney Thaim nas congas e Sylvin Marc no baixo. A própria Nina Simone assegurou a voz, o piano, os arranjos e a produção musical e fez um dos discos mais pessoais e intimistas e que é dos melhores trabalhos da sua carreira, injustamente pouco conhecido. Há faixas surpreendentes, como "Liberian Calipso" que, juntamente com "Le Peuple en Suisse" e "I Sing Just To Know That I’m Alive", constitui três faixas inéditas incluídas na nova edição. O álbum inclui 13 temas que exploram uma vasta gama de emoções, desde o "Heaven Belongs To You" - que evoca os espirituais negros, cantado em francês e inglês -, um primor de utilização da voz de Nina Simone em "Vous Êtes Seul Mais Je Désire Être Avec Vous" e a homenagem ao seu pai, feito numa pessoalíssima versão de "Alone Again Naturally" (de Gilbert O’Sullivan), completamente transfigurado nesta interpretação - a cantora altera a letra, os arranjos e até a composição musical. "Fodder On My Wings" está disponível no Spotify.

Arco da velha
A Junta de Freguesia de Santa Clara, em Lisboa, deixou de ceder as suas instalações aos 150 idosos da Associação Unitária de Reformados e Idosos da Charneca que ali conviviam diariamente, para ceder o espaço ao Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Cozinhados
Hoje aqui fica uma receita de época. Costeletas de borrego cortadas de forma generosa, não demasiado finas, conte entre 3 e 4 por pessoa, dependendo da respectiva volumetria dos convivas. Em casos acentuados, carregar na dose. Tempere-as generosamente com muito sumo de limão, sal e pimenta preta moída na hora. Faça-lhes uma cama e um cobertor com alecrim e deixe-a assim durante uma hora ou duas. Comece por cozinhar ao lume, numa frigideira que vá ao forno. Basta pôr um pouco de azeite no fundo bem espalhado. Com o lume alto cozinhe-as de um lado e outro até começarem a ganhar cor e a própria gordura das costeletas começar a invadir o recipiente. Quando estiverem a começar a tostar leve-as ao forno previamente aquecido a 200º e deixe-as estar durante dez minutos, virando-as a meio. Se gosta delas muito bem passadas (não é o meu caso), deixe ficar mais cinco minutos. Eu gosto de as acompanhar com ervilhas, levemente cozidas, e depois salteadas com hortelã picadinha bem misturada. Para companhia experimentei um vinho regional da península de Setúbal, da Quinta do Piloto, em Palmela - o Cabernet Sauvignon 2017 e a coisa correu muito bem.


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