Opinião
A esquina do Rio
Quando, daqui a uns tempos, olharmos para trás e pesquisarmos o que, neste ano da graça de 2012 se passou na RTP
TV
Quando, daqui a uns tempos, olharmos para trás e pesquisarmos o que, neste ano da graça de 2012 se passou na RTP, teremos alguma dificuldade em compreender como, de forma tão rápida, se destrói a reputação de uma estação, se afastam pessoas, e se desvaloriza uma empresa. Pondo de lado a questão do modelo de privatização, gostava apenas de recordar que a manutenção de um serviço público de rádio e televisão se mede não apenas por listagens de conteúdos, sempre polémicas, mas, sobretudo por um papel de catalisador da presença audiovisual da língua e da cultura portuguesas. No mundo digital em que vivemos já não faz sentido olharmos para as obrigações de um serviço público como há duas décadas ou mesmo há uma. Mas faz sentido termos em conta que o papel de um serviço público de rádio e de televisão é garantir diversidade e fomentar a produção nacional, não a produção interna, da casa, mas sim a produção externa, de produtores independentes, que dinamize a existência de um sector industrial dedicado ao audiovisual, única forma de nos mantermos linguisticamente vivos no mundo electrónico do qual fazemos parte.
Não sou dos que acredita que a solução da criatividade está no interior das estações, e muito menos na do serviço público, mas sim na boa gestão das encomendas e dos fornecedores, na combinação entre os conteúdos que se pretendem e as melhores pessoas e organizações para os fazer. No fundo, no desafio que é conseguir a combinação da criatividade com a capacidade de comunicar e de atrair públicos. Gostava que, seja qual for a solução encontrada, o serviço público de rádio e de televisão se vire para fora e não se deixe consumir em querelas internas. Vendo o que se passou nestas duas semanas, quanto mais cedo o Estado sair de cena, melhor. Perigoso é mesmo ficar ainda com 51% - vai sempre ter a tentação de mandar, instruir, condicionar - tudo aquilo que tem sido este longo rosário. Nesta matéria, o actual Governo nem é inovador, limita-se a seguir os passos do anterior.
Partidos
Estamos a chegar ao fim de um ciclo político. Os partidos, organizados neste regime há 38 anos, são um poço de contradições internas e externas. Vêm de um tempo em que o sistema de comunicação e de ligação das pessoas era completamente diverso e de um período em que as prioridades da sociedade eram outras - e alguns deles têm raízes ainda mais atrás. Com o passar dos anos, cristalizaram, tornaram-se autistas, e especializaram-se em criar um ecosistema onde só eles vivem, cada vez mais distantes dos eleitores, com cada vez menos gente a votar. O sistema privilegia a mentira nas campanhas eleitorais, não responsabiliza as políticas executadas, nem os desvios cometidos. Nos países do Norte da Europa, os partidos que hoje existem não têm nada que ver com os que existiam há 40 anos. Começa a ser boa altura para este assunto ser tema de debate. Não são só os políticos que não nos servem - eles são apenas frutos dos partidos onde nasceram e cresceram. Este ecosistema político está poluído demais.
Ouvir
"Iridescente" é o resultado, em disco, do desafio que a Fundação Gulbenkian lançou a Mário Laginha e Maria João para integrarem o projecto "Músicas do Mundo". A cantora explica como nasceu este disco: "Surgiu-nos a ideia de compor originais e conjugar instrumentos que gostamos numa formação invulgar: voz, piano, acordeão, harpa e percussão". Desde 2008, do CD "Chocolate", que Maria João e Mário Laginha não faziam um disco. O resultado, mantendo traços característicos da extensa obra gravada dos dois, tem arranjos invulgares, graças à inclusão de instrumentos como a harpa (Eduardo Raon) ou o acordeão (João Frade) e a uma percussão (Helge Norbakken) mais evidente que em discos anteriores.
Provar
"A Tarte" nasceu há uns meses e tem feito sucesso. Com base numa receita tradicional algarvia, e tendo como matéria-prima a amêndoa, "A Tarte" tornou-se rapidamente uma sobremesa incontornável. Está no Facebook e vende-se em vários locais. Quem a prova diz que é viciante. Pois por alturas deste Natal, os criadores da Tarte decidiram fazer uma edição especial, limitada ao tempo da consoada. A novidade é que, em vez de amêndoa, leva pinhão, que é cada vez mais uma espécie de diamante dos frutos secos. O resultado é pinhão doce, com aquela massa dura para trincar. Nasceu mais um clássico. Se forem ao Facebook e escreverem "A Tarte" poderão saber tudo sobre esta delícia.
Folhear
A versão inglesa da revista "Wired" fez uma edição especial dedicada às principais tendências para 2013 em campos tão diversos como os media, política, tecnologia, ciência, negócios ou arquitectura. São 32 páginas bem recheadas de ideias e opiniões por algumas dezenas de personalidades, com revelações sobre novos aparelhos em fase de protótipos ou o rumo que algumas áreas de actividade estão a tomar, com base no reforço da actuação em rede. De Richard Branson a James Dyson, passando por Anne-Marie Slaughter, uma série de artigos de leitura indispensável para estes últimos dias do ano. David Baker, o editor deste número especial, sublinha que além das áreas tecnológicas que a "Wired" costuma cobrir, quis com esta edição mostrar como existe, cada vez mais, fruto do funcionamento em rede, uma polinização cruzada de ideias em campos que vão das artes à política, passando pela bio-engenharia ou a política. O mundo, diz ele, está demasiado interligado para que nos possamos dar ao luxo de ignorar o que se passa à nossa volta.
Arco da velha
A Câmara Municipal de Lisboa encomendou por 260 mil euros uma árvore de Natal electrónica, na prática por adjudicação directa, conseguindo escapar aos procedimentos que regulamentam aquisições deste valor; as iluminações de Natal custam mais 230 mil euros. Já lá vai meio milhão em época de contenção. Somem-lhe a prenda de Natal que deu aos lisboetas - o puzzle de rotundas - e podem acrescentar mais 700 mil.
Semanada
O agravar de quadros de ansiedade entre idosos provoca aumento das idas às urgências de psiquiatria no Porto; Lisboa desceu três lugares no "ranking" da qualidade de vida em grandes cidades e está agora na 44.ª posição; mercado cervejeiro deve cair 10% este ano em Portugal; bancos têm de assumir perdas de 474 milhões de euros no imobiliário; dívidas incobráveis disparam para 488 milhões de euros; quase metade dos tribunais estão em estado de degradação; todos os dias 25 empresas pedem insolvência; vendas de automóveis caem 40% nos 11 primeiros meses do ano; tráfego na Via do Infante caiu 44,6% desde a introdução de portagens; tráfego nas auto-estradas a nível nacional caiu 16%; 15 famílias por dia pedem ajuda à DECO para pagarem créditos; Portugal piorou na última década em termos de percepção e combate à corrupção - caiu dez lugares em dez anos e, na Europa, atrás de nós, só Malta, Grécia e Itália.
Ver
Rodrigo Amado tem uma vida dupla - de um lado o jazz (músico, sempre, por vezes também crítico, às vezes produtor e até editor) e, do outro lado, fotógrafo. É engraçado porque as duas actividades andam ligadas. Fotografa outros músicos, faz fotos para capas e cartazes da Clean Feed, a editora que ajudou a fundar, e vai documentando o que vê, em viagens. Para assinalar os 30 anos desta vida dupla, fez por estes dias dois concertos e juntou imagens de cidades, como Moscovo, Varsóvia, Berlim e Copenhaga, e juntou-as com o título "Un Certain Malaise". As imagens deram uma exposição, que está na Fundação EDP (Central Tejo, sala Cinzeiro 8) até 10 de Fevereiro, e um livro no qual as fotografias coexistem com um texto de Gonçalo M. Tavares. Fico-me pela exposição, de que gostei muito: as paisagens urbanas que Rodrigo Amado fotografou são como que o palco daquilo que poderiam ser naturezas mortas contemporâneas. No seu olhar, aqui fixado nas fotografias, existem instantes decisivos, construídos a partir de pessoas que aparecem, mas mal se vêem.
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