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24 de Março de 2017 às 10:25

A esquina do Rio

À medida que se vai desenrolando a meada dos problemas da banca portuguesa, fica-se com uma certeza: durante cerca de uma década, já neste século, instituiu-se um grupo de pessoas e de empresas que concentraram em si um endividamento sistemático que foi rodando de banco para banco

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Em vez de dar a um político as chaves da cidade, o melhor seria mudar as fechaduras.
Doug Larson

Amnésia
À medida que se vai desenrolando a meada dos problemas da banca portuguesa, fica-se com uma certeza: durante cerca de uma década, já neste século, instituiu-se um grupo de pessoas e de empresas que concentraram em si um endividamento sistemático que foi rodando de banco para banco, sempre aumentando, numa dívida colossal que acabou por criar problemas em diversas instituições financeiras. Sabe-se lá porquê, essas pessoas e empresas receberam empréstimos uns a seguir aos outros, sem garantias reais, baseados em planos de negócio irrealistas, deliberadamente forjados, e em que a palavra optimismo peca por manifesta modéstia. Um traço comum a uma boa parte destas entidades é que não se lhes conhece actividade produtiva e geradora de riqueza que tenha vindo a criar proveitos para pagar os empréstimos recebidos; em contrapartida, vão sendo conhecidas manobras especulativas, tentativas de controlo de bancos e de empresas, obstrução da actividade de livre concorrência, alinhamento em manobras políticas a troco de novos empréstimos. Vai-se percebendo que a actividade normal dos mercados foi contrariada por especuladores que receberam dinheiro só para travar negócios em vez de produzir riqueza, que delapidaram milhões para ajudar manobras de conquista de poder, em vez de fazerem crescer a economia. Impávido, o Banco de Portugal, em várias encarnações, assistiu a tudo isto sem nunca mostrar querer parar o caminho que as coisas levavam, dando atestados de idoneidade que já fazem parte do anedotário nacional e fechando os olhos a situações que hoje todos consideram aberrantes. A pouca-vergonha andou à solta e passeou-se por onde quis, dos corredores do poder político aos corredores do poder financeiro. E, estranhamente, nos envolvidos existe uma amnésia colectiva. Quem agora os ouve diria que nada se passou.

Dixit
Passos Coelho "é um obstáculo a que o PSD se revitalize".
Carlos Encarnação, Ex-dirigente social-democrata

Semanada
• Há 90 leis, em vigor desde 2003, que continuam coxas porque nunca foram regulamentadas • o PS bloqueou, na Assembleia Municipal de Lisboa, a audição de técnicos sobre o cancelamento do concurso para as obras da Segunda Circular • a dívida pública voltou a subir em Janeiro • o movimento de mercadorias no porto de Lisboa, sobretudo graças a importações, cresceu 20% nos dois primeiros meses do ano face ao período homólogo de 2016; o preço das casas no centro histórico de Lisboa aumentou 46% em cinco semestres • o custo da mão-de-obra no 4.º trimestre de 2016 aumentou 1,6% na Zona Euro e 1,2% em Portugal • as remessas dos emigrantes subiram 44,4% em Janeiro • desde 2015, mais de cinco mil agressores domésticos com culpa provada ou assumida foram dispensados de ir a julgamento e cumprir pena pelos magistrados que aceitaram que os acusados limpassem o cadastro, mediante o pagamento de uma quantia • desde 2006, houve 40 reformas curriculares nos ensinos básico e secundário • o ministro da Educação recusou as propostas para punir praxes académicas • no final de Fevereiro, 57% do território estava em seca fraca; a apreensão de animais de espécies raras ilegalmente trazidos e vendidos em Portugal triplicou no ano passado para um total de 234 • o BCE criticou Portugal pela falta de reformas estruturais • um estudo sobre a actividade bancária publicado esta semana indica que, em 2020, os portugueses entre os 25 e 30 anos não irão pedir crédito para compra de habitação com a frequência de gerações anteriores • os despedimentos colectivos diminuíram 22% em 2016 • na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde, há 45 barcos de pesca parados por falta de pescadores • só 15% dos refugiados acolhidos em Portugal encontraram trabalho • em Lisboa, sucedem-se acidentes nas infra-estruturas em contraste com os embelezamentos e congestionamentos que são a linha política da Câmara Municipal.

Ver
José Manuel Rodrigues é um dos poucos fotógrafos portugueses com uma carreira internacional consistente, que o tornou numa referência. Viveu durante duas décadas na Holanda, onde participou no movimento PerspeKtief, sempre apostou na experimentação e trouxe dos seus tempos de performance ideias que foi incorporando na sua linguagem visual. Reside em Évora, em cuja universidade lecciona, desde meados dos anos 90, e as suas aulas são frequentadas por alunos de diversos países. Galardoado com o Prémio Pessoa em 1999, a sua obra está representada em diversas colecções portuguesas e estrangeiras, nomeadamente na Culturgest, Novo Banco Photo, Serralves, Dutch Art Foundation (Amsterdão), Van Reekum Galerie (Apeldoorn), Prentenkabinet (Leiden) e La Bibliothèque Nationale (Paris), entre outros. Tem exposto regularmente em diversos países. "Não conheço quem, no mundo, melhor pense o carácter e as possibilidades da fotografia, reinventando-a sempre" - as palavras são de Jorge Calado, no Expresso, referindo-se a José Manuel Rodrigues. Em Lisboa, não expunha desde 2014, quando esteve na Pequena Galeria e agora podemos ver "Errata" na Barbado Gallery, a mais importante galeria portuguesa de fotografia. Trata-se de uma exposição quase antológica que mostra diversas épocas da sua actividade criativa, evidenciando a sua experimentação em diversos géneros da fotografia, do retrato à encenação, passando pelo ensaio fotográfico, com obras que vão de 1982 até 2010, entre elas uma imagem de um ensaio sobre o Alqueva, pronto há anos mas nunca exibido. A exposição estará, até 18 de Abril, na Rua Ferreira Borges 109 A.

Gosto
Da recuperação da histórica Livraria Ferin, no Chiado, por José Pinho, o fundador da Ler Devagar. 

Não gosto
Do possível encerramento do centenário restaurante Faz Frio, na sequência da venda do prédio onde está instalado, perto do Príncipe Real. 

Folhear
Em ano de eleições, aqui está um livro que todos os candidatos deviam ler antes de começarem a falar em comícios. Trata-se de um manual de excelentes exemplos, intitulado "Grandes Discursos da História". A recolha está a cabo de um dos maiores entusiastas de discursos e citações que conheço, e que é Henrique Monteiro, jornalista, cronista, comentador político, confesso contador de histórias e, além disso, director-geral adjunto de Informação do Grupo Impresa. Aqui estão 23 discursos, desde a seminal "Apologia de Sócrates" por Platão, até ao discurso de tomada de posse de Barack Obama, passando pelo "Elogio Fúnebre a Júlio César" por Marco António, a "Proclamação da Vitória em Austerlitz" de Napoleão Bonaparte, "Sangue, Labuta, Lágrimas e Suor" de Winston Churchill, "Ich Bin Ein Berliner" de John Kennedy e outros de autores como Martin Luther King, Ronald Reagan, Gandhi, Lincoln, Lenine ou Jesus de Nazaré. Cada um dos discursos é antecedido por uma breve nota de Henrique Monteiro, que contextualiza o autor da oratória no seu tempo. Estas palavras percorrem 2.500 anos de História, desde Péricles a Obama, como Henrique Monteiro salientou no texto introdutório destes "Grandes Discursos da História", uma edição Guerra e Paz.

Arco da velha
Cientistas da Universidade de Coimbra estudaram o cérebro de membros de claques de clubes de futebol e descobriram que os adeptos activam circuitos semelhantes aos do amor quando vêem o seu clube. 

Ouvir
Jose James é um dos mais versáteis músicos do jazz contemporâneo. A Wikipedia apresenta-o como um cantor de jazz moldado para a geração hip hop  e é patente a forma como Jose James consegue combinar influências de vários sectores - desde Billie Holiday a Gil Scott Heron ou Terry Callier - e o próprio gosta de dizer que uma das suas fontes de inspiração é a música de John Coltrane. "Love In A Time Of Madness", o seu novo disco, o quarto que grava para a Blue Note, é um exemplo da abertura de Jose James às novas sonoridades pop, não se coibindo de trabalhar em estúdio com os mais destacados produtores contemporâneos de rhythm'n'blues e soul music. Não deixa também de ser curioso como ele evoluiu do álbum anterior, uma bem conseguida homenagem a Billie Holiday, onde reinterpretou clássicos da cantora, para este novo trabalho, onde se conseguem encontrar referências a nomes como Kanye West ou Bryson Tiller. E nem sequer hesita quando, a meio do disco, em dois ou três temas, retoma sonoridades que evocam Prince. "Love In A Time Of Madness", de Jose James, CD Blue Note, já disponível em Portugal. 

Provar
Um destes dias, ao fim da tarde, dei comigo a espreitar a montra de uma pequena esplanada na Rua Correia Teles, em Campo de Ourique. Numa ardósia, à porta, estava escrito "Aperitivo Italiano" e o estabelecimento dava pelo nome de La Bottega. Lá dentro, produtos italianos - de queijos a enchidos e fumados, passando por massas Cecco, massas frescas feitas na casa, molhos preparados, conservas de tomate, gressinos, biscoitos e bolos tradicionais. La Bottega apresenta-se como uma mercearia que serve take-away, pequenos-almoços, almoços e aperitivos de fim da tarde. Além da esplanada, quando os dias estão bons, há uma meia dúzia de mesas no interior. Aos almoços há um menu que, por 9 euros, inclui o prato do dia, uma bebida, sobremesa e café. Os pratos do dia podem ser consultados semanalmente na página do La Bottega no Facebook. Ao fim da tarde, é o reino do aperitivo, desde um prosecco até um Aperol Spritz ou um Campari. E, na melhor tradição italiana, cada aperitivo vem com uma tábua de tapas. Quem quiser algo mais substancial, pode pedir uma tábua de queijos e fumados - entre os quais se destaca um fiambre com trufas… Fiquei a saber que a casa está ligada aos dois restaurantes Il Matriciano, que existem em São Bento. No La Bottega, a simpatia de Michele e Alessandro são logo um motivo de boa disposição, e fomentar o hábito do aperitivo é uma ideia fantástica. Rua Correia Teles 22A, telefone 935803868.


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