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27 de Maio de 2016 às 10:11

A esquina do Rio

Há três verbos que definem a acção do Governo nestes primeiros seis meses de vida: revogar, demitir e nomear.

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Só duas coisas são infinitas - o Universo e a estupidez humana.
Albert Einstein

Estado
Há três verbos que definem a acção do Governo nestes primeiros seis meses de vida: revogar, demitir e nomear. Os três andam juntos e justificam-se uns aos outros em nome da alteração das políticas. Raramente um Governo terá feito de forma tão sistemática, em tão pouco tempo, tantas alterações de dirigentes de organismos públicos, interrompendo mandatos e substituindo anteriores responsáveis, independentemente do seu desempenho, por outros novos nomeados com o exclusivo critério da confiança política. Para usar uma expressão introduzida pelo primeiro-ministro, parece que as vacas voadoras tomaram o freio nos dentes e se transformaram em "drones", que voam sobre o Estado português, ocupando posições estratégicas na economia, na saúde, na segurança social, em todo o lado onde surja um pretexto para encaixar alguém sintonizado. As vacas voadoras deixaram de ser figura de retórica e são quem assumidamente reboca a geringonça. Aquilo a que assistimos é à tomada do aparelho de Estado por um partido, sem olhar a meios nem a competências. Aos poucos, o Estado perde credibilidade e a célebre frase de Guterres, "no jobs for the boys", parece mais uma vez uma anedota de péssimo gosto. Há quem diga, elogiando, que António Costa reintroduziu a política na acção do Estado; creio que o que fez foi reintroduzir a politiquice e o aparelhismo, as duas degenerações senis da partidocracia.

Semanada
• A greve dos estivadores no Porto de Lisboa causa prejuízos superiores a 100 mil euros por dia  os sete operadores do Porto de Lisboa estão em situação de pré-falência  a actividade económica do Porto de Lisboa em 2015 foi metade da registada em 2012  o Governo pretende que as empresas cotadas em bolsa que, em 2018, não atinjam uma quota de 20% de mulheres nas administrações, tenham a cotação suspensa  um padre que dirigia uma instituição integrada na Casa do Gaiato foi acusado pelo Ministério Público de maltratar crianças e idosos  o subsídio de desemprego só chega a menos de 22% dos trabalhadores independentes  as exportações portuguesas tiveram o pior arranque do ano desde 2009  o investimento estrangeiro feito através dos vistos gold aumentou 45% até Abril deste ano  a Madeira aumentou os incentivos fiscais para atrair mais vistos gold  Cavaco Silva interrompeu o seu silêncio para dizer que "a política económica é demasiado importante para ser deixada aos políticos"  o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou o desejo de que as eleições "autárquicas não venham interromper a governação"  o Estado está a cobrar mais 1,6 milhões de euros por dia em impostos sobre combustíveis e já arrecadou este ano mais de mil milhões de euros graças a eles  as obras da segunda circular, em Lisboa, vão começar em Junho, ainda com as obras do eixo central a decorrer e sem prazo de finalização apurado  as turmas do ensino profissional não entraram no cálculo da lotação das escolas públicas quando o Estado decidiu cortar o financiamento aos privados.

Dixit
"A Câmara Municipal de Lisboa manifesta (...) um completo desrespeito por quem vive e trabalha na cidade e revela uma incompetência que não é admissível em quem gere uma capital europeia."
Do comunicado do Automóvel Clube de Portugal sobre as obras que estão a piorar a circulação em Lisboa.

Ver
No espaço da Fundação Carmona e Costa, na Rua Soeiro Pereira Gomes nº1, ao Rego, está patente até 9 de Julho uma mostra de obras em papel, de Pedro Calapez, feitas entre 2012 e 2016. Arriscaria dizer que são precisamente as obras mais recentes, já deste ano, concentradas numa única sala, que mostram uma alteração do modelo de trabalho de Calapez, abrindo novo horizontes de uma forma quase inesperada e surpreendente. Numa das outras salas está a instalação, aqui na imagem, que funciona como se um caderno de esboços ganhasse subitamente vida em quatro paredes. Outra exposição a ver reúne obras de Rui Sanches, Mitsuo Miura, e também Pedro Calapez, sob a designação comum de "Backstories", na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva até 25 de Setembro. Aqui, o mais marcante é o trabalho de Rui Sanches, na sala inicial, sobretudo os seus jogos de ilusão sobre o quotidiano. Dando um salto para fora do país, a portuguesa Cristina Ataíde volta a expor no Brasil, desta feita em Curitiba, na Galeria Ybakatu, até 30 de Junho, sob o título "Na Palma da Mão", que agrupa desenhos e esculturas em alumínio ainda inéditas em Portugal; a seguir estará em São Paulo. Finalmente, para quem gostar de festejos numa certa aura de polémica entre críticos, artistas e galeristas, este é o fim-de-semana da primeira extensão da feira de arte Arco, de Madrid, a Lisboa. Está na Cordoaria até domingo dia 29, e 44 galerias de vários países, predominantemente Espanha e Portugal, mostram obras de cerca de uma centena de artistas, com bilhetes entre 15 e 25 euros.

Gosto
O Parque Eduardo VII ganha nova vida este fim-de-semana com o regresso da Feira do Livro, até 13 de Junho.

Não gosto
O défice orçamental quase duplicou no mês de Abril.

Folhear
A edição de Junho da revista Monocle é dedicada ao mar, opção que atinge as várias secções. Talvez por isso a revista publica uma nota sobre Marcelo Rebelo de Sousa, e o desenho que acompanha o texto de Joana Stichini Vilela sobre o novo Presidente da República mostra um Marcelo de fato de banho e polo, com leves mocassins, como se fosse a caminho dos seus bem amados mergulhos no mar. É uma boa maneira de a Monocle assinalar o resultado das presidenciais portuguesas. Outras referências a Portugal surgem nesta edição. Mário Ferreira, da Douro Azul, fala das suas actividades de cruzeiros ao longo do rio e dos seus planos de expansão para o Brasil, com cruzeiros no Amazonas. É mostrado o exemplo da manutenção da construção artesanal de barcos num estaleiro, no Tejo, que usa técnicas tradicionais, fundado pela família Ferreira da Costa, e que hoje é dirigido por Jaime Costa, bem perto de Lisboa, e que continua a fazer lindíssimos barcos. Na área de sugestões, a Monocle recomenda o turismo rural da Casa Agostos, em Santa Bárbara de Nexe, no Algarve, uma obra do atelier de arquitectura Pedro Domingos. Finalmente, o portfólio de fotografias no fim da edição é dedicado a São Tomé e Príncipe e, infelizmente, não foi feito por quem melhor fotografou esse arquipélago nos últimos anos, Inês Gonçalves, que lá vive. Em vez disso, a Monocle publica uns postais ilustrados sem grande graça - aqui está uma oportunidade perdida.

Arco da velha
Kátia Aveiro vai cantar na final da Liga dos Campeões, em Milão, neste sábado - e depois ainda há quem ande à procura das causas do mau tempo...

Provar
A carne de javali não é das mais fáceis de cozinhar. Se mal preparada, fica rija, seca e sensaborona. Se bem tratada, ganha fulgor. É o que acontece na Casa Nepalesa, um restaurante surpreendente das Avenidas Novas onde o javali com espargos verdes em molho de caril é uma belíssima descoberta. A mão amiga que lá me fez regressar tem também razão ao elogiar a qualidade da confecção do arroz basmati: a Casa Nepalesa utiliza exclusivamente a célebre marca Tilda, dos Himalaias, e assim consegue de facto um arroz de invulgar qualidade. A decoração evoca a origem dos fundadores do restaurante, o serviço é atencioso e irrepreensível. A garrafeira é de extensão moderada, com preços honestos e selecção cuidada. Há uma multidão de entradas tentadoras, propostas de peixe e vegetarianas, várias possibilidades com gambas de Moçambique e com frango, para além dos pratos mais tradicionais de borrego e cabrito, tudo com a intensidade do picante a poder ser ajustada à preferência de cada um. Mas foi, de facto, a surpresa da combinação do javali com os espargos verdes e o caril que me conquistou. Para rematar, provou-se um gelado de manga com pistácio, que se recomenda. Avenida Elias Garcia 172 A, (quase a chegar à Fundação Gulbenkian), telefone 217 979 797. É melhor marcar que a casa não é muito grande.

Ouvir
Há alguma coisa de Bill Withers na forma como Gregory Porter canta. Depois do sucesso obtido com "Liquid Spirit", que ganhou um Grammy, Porter regressou agora a um registo mais pessoal e intimista, numa produção discreta mas assente em temas sólidos, desde logo "Holding On", que abre o novo álbum "Take Me To The Alley". Porter tem uma voz e um estilo de interpretação tão marcantes que às vezes é preciso distanciarmo-nos para que possamos entender como ele evolui de disco para disco, sem perder a força natural que caracteriza a sua voz e que é a sua marca muito pessoal. Neste álbum, Gregory Porter apresenta quase exclusivamente composições suas, canções que contam histórias da sua vida, do seu filho, da sua mãe, da família. Há aqui quase um regresso à tradição dos espirituais, o que faz com que este álbum pareça musicalmente menos variado e mais conservador do que "Liquid Spirit". Na realidade, neste seu quarto disco, "Take Me To The Alley", Gregory Porter optou por traçar o seu próprio caminho, com base nas suas histórias de vida, arriscando musicalmente, com maior influência do gospel e menos utilização das sonoridades da pop que lhe trouxeram a fama no disco anterior. Mas isso é também fruto de uma opção de produção rigorosa, com arranjos mais discretos, que fazem passar para primeiro plano o conteúdo das histórias pessoais presentes nas canções. CD Blue Note, Universal.

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