Opinião
A esquina do Rio
Uma grande parte do nosso mau estado vem do demasiado Estado que temos. Quando o 25 de Abril se deu, em vez de mudar o Estado, criaram-se mecanismos que o reforçaram.
Back to Basics
Quando a compra e a venda são regulamentadas por leis, os primeiros a serem comprados e vendidos são os legisladores.
P. J. O'Rourke
Estado
Uma grande parte do nosso mau estado vem do demasiado Estado que temos. Quando o 25 de Abril se deu, em vez de mudar o Estado, criaram-se mecanismos que o reforçaram. Se nessa altura já tínhamos muito Estado, o que aconteceu de 1974 para cá foi um absurdo e descontrolado crescimento desse Estado - na economia, nas empresas, na justiça, em tudo. Se antes tínhamos um Estado autoritário, depois criou-se um Estado permissivo, ineficaz, gigantesco, amorfo e imóvel. O Estado passou a ser o país, confundiu-se com ele e foi alastrando de forma descontrolada. Os custos do Estado passaram a ocupar todos os custos do país - de maneira que nada sobrou e aconteceu o que se sabe e que estamos agora a pagar. Os partidos gostaram disto, porque o Estado era uma espécie de brinquedo da Lego nas suas mãos - iam pondo e tirando peças à medida das suas conveniências. Todos cresceram assim.
Devo reconhecer que, em matéria de abuso do Estado, a União Nacional era tímida aprendiz ao pé daquilo que os partidos parlamentares posteriores fizeram. O Estado serviu para tudo - para encomendar obras cujas comissões financiaram eleições, para promover carreiras, para encomendar o desnecessário e criar o inútil - veja-se como o despudor do Estado, em Portugal, tem uma imagem, que é a epidemia das rotundas. A reforma do Estado que agora se anuncia pode ser uma intervenção profunda ou uma cirurgia superficial mas, para o tratamento resultar, é preciso que, por uma vez, os partidos queiram mudar este estado de coisas e criar um Estado que permita que a sociedade viva. Como já se viu nas últimas 48 horas, a reforma do Estado é travada por aqueles que consideram que o Estado Social só existe com um Estado tentacular. Acontece que é o contrário - o tamanho do Estado está a matar o papel social que ele devia ter.
Dixit
A Constituição não pode obrigar o país a chegar à bancarrota.
Paulo Mota Pinto
Semanada
• Esta foi a curiosa semana em que o mundo descobriu que havia espiões e que os Estados Unidos espiavam o que podiam • António Costa, na "Quadratura do Círculo", apostou que Santana Lopes seria candidato à Presidência da República • três dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que não exclui uma candidatura à Presidência da República • Sócrates lançou um livro • Carrilho lançou um escândalo • Seguro não fez nada • em 2012, registou-se em Portugal o menor número de nascimentos desde que há registos - menos 7,2% que em 2011 • cerca de dez mil pessoas deixam Portugal todos os meses • o PSD prepara processos de expulsão contra cerca de 400 militantes que, nas autárquicas, participaram em outras campanhas que não as do partido • a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde afirma que três em cada dez atestados médicos não têm fundamento • o Estado deve 2.600 milhões de euros a empresas • Paulo Portas anunciou a reforma do Estado • os custos da nova sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt, Alemanha, já derraparam mais de 100% e a construção de cada posto de trabalho vai custar 30 vezes mais que o preço de mercado • em 2012, Portugal exportou 17,5 milhões de euros de castanhas • título da semana: "Cristas deixa cair limitação do número de animais domésticos" • Fernando Ulrich afirmou que Portugal não tem moral para dar lições a Angola.
Arco da Velha
Vai-se a ver e o processo da Procuradoria Geral da República, que precipitou uma crise diplomática com Angola, tinha sido arquivado dois meses antes do pedido de desculpas de Machete em Luanda - que, portanto, na altura já era mais que escusado. Há demasiado tempo que a Procuradoria brinca com o país.
Ouvir
Já que esta é a semana em que o surf foi notícia por causa das ondas gigantes da Nazaré, vale a pena ouvir uma das bandas sonoras contemporâneas dos surfistas, ou seja, Jack Johnson. O seu novo álbum "From Here To Now To You" é o seu melhor trabalho nos últimos anos, muito graças à obra de Mario Caldato Jr., que produziu vários discos dos Beastie Boys e que aqui está ao lado de Johnson, tal como o seu amigo Ben Harper que, mais uma vez, o acompanha. As canções voltam a ser sobre o quotidiano, como se pode ver na faixa de abertura "I Got You", em "Tape Deck" ou em "Washing Dishes". Depois de dois álbuns mais duros, voltam as canções com a marca do primitivo Jack Johnson, reflexos de dias calmos no Hawai, canções feitas à guitarra acústica, tão inspiradas como "Never Fade" ou "You Remind Me Of You" e, sobretudo, aquela que provavelmente é a melhor canção do disco, "Radiate". (Brushfire Records, na Amazon).
Gosto
Uma empresa portuguesa, de Espinho, venceu o concurso para o fornecimento das iluminações de Natal de Oxford Street, em Londres.
Não gosto
De quem transforma a sua vida privada numa lavandaria industrial.
Provar
Confesso que uma das coisas que me tira mesmo do sério é o chocolate. Houve tempos em que era capaz de sair a correr de casa antes da uma da manhã, tentando ainda apanhar uma loja de conveniência aberta para pode comprar uma tablete de chocolate preto. Hoje em dia tenho o cuidado de me abastecer para evitar correrias. A qualquer cidade onde vá procuro sempre lojas de chocolate e surpreendi-me um dia destes, a passear na baixa lisboeta, quando dei com a nova Chocolataria Equador, na Rua da Misericórdia 72, dedicada a belíssimos chocolates artesanais feitos no Porto. Para os mais novos, há uma "birra de chocolate de leite", formato chupa-chupa gigante redondo; para os mais crescidos, com saudades da meninice, há uma sombrinha de chocolate negro; para os mais aventureiros, há um magnífico cacau crioulo, que mistura chocolate negro com vinho do Porto; para os mais afoitos, há uma barra de chocolate negro "muito forte" e, finalmente, há o meu preferido, uns insuperáveis cacos de chocolate negro com frutos secos. Tudo isto é demasiada tentação. Vou voltar à Rua da Misericórdia, 72.
Folhear
A "Monocle" de Novembro é dedicada ao frio do Árctico, mas tem uma página inteira sobre Campo de Ourique. Piadas à parte, esta é uma edição especialmente recomendável para aqueles que já sentem frio nesta semana em que a temperatura desceu um pouco - quando lerem a descrição do que se passa nas zonas perto do Árctico, do número de horas de sol, da temperatura média e de como ali se vive o dia-a-dia do Inverno, começam a achar que, apesar da troika, temos ainda um resto de paraíso. Esta é também a edição do Design Directory, que explora casas, locais, mobílias e acessórios. E sítios - Campo de Ourique é classificado como o melhor subúrbio dentro de uma cidade, embora seja o bairro de Kapyla, em Helsínquia, a ser apontado como o melhor local para estabelecer uma família. Há um artigo muito interessante sobre
as casas pré-fabricadas finlandesas que me faz pensar por que é que, com o nosso clima, a coisa é tão pouco utilizada. O Portfolio desta edição da "Monocle", para mim uma das partes imperdíveis da revista, é dedicado aos "ferry boats" que, no Alaska, asseguram a circulação de pessoas a zonas onde não há outro meio de transporte. Eu gosto de histórias contadas por imagens. E gosto da forma como a "Monocle", nos seus artigos, utiliza sempre várias pequenas fotografias para ir mostrando como são as coisas e as pessoas de que fala.
Ver
Miguel Barceló, um dos grandes artistas catalães, tem uma ligação curiosa a Portugal - durante um tempo, nos anos 80, viveu em Vila Nova de Milfontes. No escondido Museu do Azulejo, em Lisboa, tem uma exposição até 24 de Novembro, onde, sob o título "Terra Ignis", mostra algumas das suas cerâmicas que vale a pena ver. Na Pequena Galeria, Av. 24 de Julho 4C, uma mostra do acervo de fotografia, naquele que é o mais estimulante local de Lisboa para ver e debater a imagem fotográfica. E na VPF Cream Art Gallery, Rua da Boavista 84, pode ainda ver aquela que é a mais marcante peça em exposição em Lisboa, a montagem (re)visito(me), de André Banha. Finalizo as sugestões com a exposição que está na Galeria Cristina Guerra (Rua de Santo António à Estrela 33), "Ouriços", de José Loureiro, de que aqui se deixa uma imagem.