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Manuel Castelo Branco - Advogado 19 de Abril de 2013 às 00:01

Será defeito, será feitio?

Krugman aconselhou os portugueses a dizer "não" à austeridade, Soros sugeriu que a Alemanha abandonasse o Euro (eis uma ideia original!) e François Hollande mandou o deficit às malvas.

"Un intenso aroma antigermano recorrió el Hemiciclo a semejanza de lo que ya sucedido en otros países de la Union."


Assim descrevia uma jornalista do "El Mundo" o ambiente que se vivia nas Cortes espanholas no passado dia 10 de Abril durante um debate parlamentar em que o líder da oposição, o socialista Rubacalba, aconselhava o primeiro-ministro Rajoy a "rebelarse a los designios alemanes".

Esta é a triste realidade: no ano de 2013, numa parte relevante da Europa, renasce um sentimento que julgávamos definitivamente enterrado pela História. Até aqueles que se revêem na disciplina e rigor alemães reconhecem, agora, que o Governo Alemão tem utilizado excessivamente a crise do Euro para consumo interno.

Esta semana, e de acordo com o que noticiou a Reuters, os principais Institutos Económicos Alemães duplicaram as previsões de crescimento anunciadas recentemente pela Chanceler Merkel para a Alemanha. Concluiu a agência e qualquer pessoa medianamente atenta: se a realidade ultrapassar as previsões, a coligação da Chanceler recebe mais um forte impulso na sua corrida às eleições de Setembro.

Alguns ministros alemães (o das Finanças e o da Economia) explicaram, recentemente, ao Mundo, com a soberba que envergonharia qualquer verdadeiro bom aluno, que a Alemanha era a inveja do mundo pois, entre outros feitos, no ano de 2014 iria obter um excedente orçamental de 0.5%.

Contudo, os tais Institutos Alemães revelaram o que nós, medianos Europeus, já suspeitávamos há uns bons meses: é que essa capacidade de conseguir pagar as despesas públicas com receitas correntes se deve à baixa taxa de juro a que a Alemanha se está a financiar e não à política miraculosa da Chanceler Merkel.

De facto a "narrativa" oficial, a de que o contribuinte alemão andou a pagar durante anos os desmandos dos preguiçosos da Europa do Sul (que a senhora Merkel combate para grande gáudio e retorno eleitoral interno) não tem correspondência com a realidade, antes pelo contrário como diria o outro.

Como se sabe, o Estado Alemão ainda não perdoou um cêntimo a qualquer dos seus devedores (ao contrário do que alguns desses devedores fizeram num passado não muito distante).

Todos os resgates (que incluem dinheiro do contribuinte alemão) são concedidos sobre a forma de empréstimos totalmente reembolsáveis (não há qualquer subsídio de solidariedade) e remunerados a uma taxa de juro muito superior àquela a que a Alemanha se financia para custear parte da sua despesa pública.

O Governo Alemão só aceitou participar no resgate Europeu à Grécia e a Chipre, depois de, no caso da Grécia, ter exigido que os credores privados (onde se incluíam diversas instituições europeias) reduzissem os seus créditos e, no caso de Chipre, se confiscasse uma parte dos grandes depósitos (alguns titulados por instituições e cidadãos Europeus).

Até agora, a crise do Euro e a austeridade desmesurada que tem sido imposta com base em modelos que afinal assentavam em erros de palmatória, só tem beneficiado a Alemanha! Pela taxa de juro (que chega a ser negativa!) a que recebe os capitais que fogem dos países proscritos e pela imigração de luxo de investigadores, médicos, informáticos, engenheiros e técnicos altamente qualificados que abandonam os seus países de residência, que ficam sem futuro no médio prazo.

Indiferente à depressão económica e anímica dos países em que foi aplicado o modelo Reinhart/Rogoff (que depois de ter sido desmentido pelos resultados da sua experimentação prática foi agora cientificamente posto em causa), o presidente do Bundesbank veio publicamente revelar que temos crise para mais uma década e que "a calma a que se assiste pode ser traiçoeira". Será defeito, será feitio… jeito não é certamente!

Entretanto, Krugman aconselhou os portugueses a dizer "não" à austeridade, Soros sugeriu que a Alemanha abandonasse o Euro (eis uma ideia original!) e François Hollande mandou o deficit às malvas (pelo menos este ano) dizendo que a França não precisa de austeridade, mas de estabilidade e sustentabilidade.

No meio de tudo isto o Acórdão do Tribunal Constitucional que chumbou, parcialmente, o orçamento foi um mal que veio por bem!

Mal porque é pobre na sua fundamentação e gera a dúvida sobre se afinal não proferiu uma decisão política que extravasa das suas atribuições e competência. Mas esse tipo de dúvidas persistirão enquanto o legislador Constituinte não tiver a coragem de enterrar, definitivamente, a memória do Conselho da Revolução, entregando esta função jurisdicional ao Supremo Tribunal de Justiça.

Bem, porque o Governo foi obrigado a bater o pé (ainda de que de mansinho, à Troika), a retomar o diálogo com o PS e a preparar um plano alternativo que poderá contemplar uma verdadeira revolução na estrutura da despesa pública.

Ficamos a saber, ontem, que o Governo vai apurar exactamente quanto custa aos Portugueses a totalidade das remunerações da administração pública, directa e indirecta, estadual, regional e local, desde os salários, aos suplementos passando por cartões de crédito, seguros, viaturas, combustíveis, etc.

Surpreende-me que estes dados não existissem, pois são aqueles que qualquer responsável pela gestão de uma pequena ou média organização começa por exigir. Mas, mais vale tarde do que nunca!

A inexistência destes dados prova que o combate à essência da despesa pública não ia começar tão cedo! Ao chumbar o Orçamento o Tribunal obrigou o Governo a atacar o problema. Bem-haja!

* Advogado

mcb@mcb.com.pt

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