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Manuel Castelo Branco - Advogado 31 de Janeiro de 2013 às 23:30

Falar para dentro e falar para fora

O que parece claro é que António Seguro está mais seguro do que parecia e se controlar a máquina partidária, como é suposto, dificilmente perderá o congresso extraordinário

O Governo recebeu do Partido Socialista uma trégua inesperada que lhe vai permitir respirar nos próximos meses, enquanto não ficar claro quem ganha a guerra pelo poder e quais os danos dela resultantes.


O que parece claro é que António Seguro está mais seguro do que parecia e se controlar a máquina partidária, como é suposto, dificilmente perderá o congresso extraordinário.

Assim, na frente interna os problemas do governo continuarão a ser os mesmos: aumento do desemprego, instabilidade social, incumprimento do orçamento da receita, deslize do orçamento de despesa, enfim, aquilo que já nos acostumamos há 14 meses e que de só nos libertaremos quando a Europa do Norte, mais do que permitir o ajustamento da dívida portuguesa, se decidir por políticas expansionistas.

Ontem, o Jornal de Negócios publicou uma entrevista com Jeremy Hale (managing director do Citi em Londres) responsável pela coordenação da política macro.

Li a entrevista com atenção e interesse e ela renovou em mim a dúvida sobre se certas pessoas, por força dos cargos que exercem, são absolutamente livres de se dirigirem ao público em geral.

Jeremy Hale, que não conheço pessoalmente, mas que certamente reúne competências e credibilidade acima da média para poder exercer o cargo que exerce no Citi, diz na entrevista que a economia Americana vai de vento em popa por causa dos estímulos da política de "quantitative easing" e que o Citi espera "retorno na ordem dos dois dígitos para as acções americanas". Como o "FED não irá retirar os estímulos amanhã" têm "uma visão optimista para os activos de risco".

Embora o Finantial Times de ontem titulasse a primeira página com a frase "US Economics sleeps into reverse" eu partilho a mesma opinião optimista relativamente ao futuro próximo da economia Americana pelo menos até a taxa de desemprego atingir o número mágico de 6.5 %. Só a partir daí, como se sabe o FED alterará a sua política de manutenção das taxas de juro em 0%.

Portanto, na opinião de Jeremy Hale que eu modestamente subscrevo, investir em activos dos EUA será bom negócio: " esperamos retornos na ordem dos dois dígitos para as acções americanas".

Já quanto à Europa, designadamente quanto aos países periféricos, Jeremy Hale continua pessimista.

Começa por dizer que "as coisas não correram tão mal como temido em 2012", mas que "daqui para a frente... há o risco de os receios voltarem".

" A Alemanha não quer abanar o barco da Zona Euro antes das eleições, mas possivelmente depois de Setembro se volte a falar da Grécia e da restruturação da dívida da Zona Euro"

Se isto acontecer (concluí eu) lá se vai o regresso de Portugal aos mercados!

"Existem riscos negativos suficientes na Zona Euro para acreditar que o desempenho de 2012 não se irá repetir em 2013".

Ou seja (continuando eu a interpretar) um prudente aviso aos investidores e, sobretudo, aos especuladores: o refúgio está nos activos americanos.

"Se, no final de contas, as soluções para a crise irão funcionar ou se tudo vai explodir podemos especular. A única certeza que tenho é que não será um problema de resolução rápida".

Ao contrário do que se passa comigo e com todas as outras pessoas que pensam que o risco de implosão do Euro já passou, Jeremy Hale parece continuar pessimista ou, pelo menos, muito reservado quanto ao futuro próximo dos países periféricos da Zona Euro.

Ora todo este arrazoado que escrevo não se destina, como é evidente, a contraditar o que pensa e diz alto o coordenador da equipe de estratégia macro do Citi. Quem sou eu para almejar a tanto!

Esta entrevista, além da opinião e informação que contém, suscita uma questão: poderão os managing directors de bancos, designadamente daqueles que intervêm a nível global, dar livremente as suas opiniões para lá do perímetro da sua organização interna e dos clientes?

Existirá algum risco de o mercado, ou uma parte dele, ser influenciado por este tipo de declarações? Deverá o coordenador de estratégia macro de um banco que assessora regularmente a periférica República Portuguesa dar uma entrevista em que admite a possibilidade de ser necessária a restruturação de dívida da Europa periférica?

Estamos perante um caso de conflito de interesses ou de simples avaliação de timing e conveniência que deve ser deixado ao livre arbítrio da instituição e do entrevistado?

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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