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Luís Pais Antunes - Advogado lpa@plmj.pt 19 de Janeiro de 2017 às 20:44

Desconcertados

Por que razão deveria a oposição - afastada do poder por uma estranha aliança que elegeu como política reverter as principais decisões do anterior governo - suprir a falta de entendimento entre as forças políticas que sustentam o atual Governo?

Muito se tem dito e escrito sobre o aumento do salário mínimo nacional, a consequente redução da Taxa Social Única (TSU) a cargo dos empregadores e o papel de "estraga-festas" que o PSD se prepara para desempenhar na apreciação parlamentar do decreto-lei governamental, suscitada por três dos partidos que integram a atual maioria parlamentar de apoio ao Governo (BE, PCP e PEV).

 

Ao que muitos dizem, a solução a que se chegou no âmbito da concertação social não é boa, mas é a única possível. A subida do salário mínimo não é suportada pela nossa economia, nem pelo aumento da produtividade, mas seria socialmente justa. A redução da TSU enfraquece a nossa já debilitada Segurança Social, mas ajudaria as empresas a pagarem mais, gastando sensivelmente o mesmo. Uma das centrais sindicais acha razoável; a outra opõe-se, como habitualmente. O presidente do CES "torce o nariz" à solução, aceitando-a a contragosto. As confederações patronais não gostam do aumento do salário mínimo, mas estavam disponíveis para o aceitar se o preço a pagar fosse "neutralizado" através de uma redução das contribuições sociais.

 

Em suma: o Governo achou que oferecendo a uns a manteiga e a outros o dinheiro da manteiga, quase todos ficariam satisfeitos e o acordo seria assinado, como efetivamente foi. Havia, claro, esse "problema" de os parceiros da maioria de esquerda não estarem pelos ajustes. Mas, tratando-se de um entendimento sufragado pela maioria dos parceiros sociais, lá terão pensado que não seria certamente a "malvada da direita" a estragar tão trabalhoso arranjo, negociado a duras penas na concertação social…

 

Teria bastado ao PS lembrar-se daquela que foi a sua atitude de cada vez que governos PSD/CDS celebraram acordos de concertação e apresentaram a votos na Assembleia da República as medidas que deles decorriam para perceber que as coisas não são assim tão simples. Não me lembro, nos governos PSD/CDS de 2002-2005 e de 2011-2015, de ver o PS "abençoar" - quanto mais não seja pela abstenção - as medidas legislativas adoptadas na sequência de entendimentos alcançados no âmbito da concertação social…

 

Porque haveria agora de ser diferente?

 

Por que razão deveria a oposição - afastada do poder por uma estranha aliança que elegeu como política reverter as principais decisões do anterior governo - suprir a falta de entendimento entre as forças políticas que sustentam o atual Governo?

 

Por que razão deveria uma oposição diariamente acusada de todos os males - e que não foi minimamente envolvida no processo - contribuir para a aplicação de medidas que considera prejudiciais para a nossa economia e para a sustentabilidade da Segurança Social?

 

Dirão alguns que o simples facto de o decreto-lei ter o selo "acordado na concertação social" deveria bastar para não suscitar obstáculos à sua aprovação e aplicação. É uma tese duplamente errada. Desde logo, porque mistura duas legitimidades distintas, que não se podem confundir. A Assembleia da República é soberana e a sua vontade em caso algum deverá depender de quaisquer acordos celebrados entre governo e parceiros sociais. Mas é uma tese errada também porque, objetivamente, parte do princípio que o exercício da função política pelos partidos deve subordinar-se à vontade dos mecanismos da concertação social.

 

A concertação social é muito importante e devemos defendê-la e promovê-la intensamente. Mas no dia em que a sobrepusermos ao papel dos partidos políticos estaremos a abrir a porta a um regime diferente. E a História já nos ensinou que esse caminho não é o melhor…

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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