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TGV sim, TGV não, TGV sim, TGV…

A proclamação do primeiro-ministro, em Março de 2012, de que o projecto de alta velocidade seria "definitivamente enterrado" será atribuída à assimetria de informação existente nesse tempo remoto.

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Ao contrário das aparências, o Governo português está a trabalhar para a próxima legislatura. Em 2015, já sem Vítor Gaspar, arrancará o projecto de alta velocidade ferroviária entre Lisboa e Madrid. A surpreendente revelação chega-nos das próprias Finanças, após terem conseguido obter, junto de Bruxelas, a difícil promessa de que o TGV obteria financiamento do quadro comunitário 2014-2020. Estou certo de que muita tinta irá ainda correr sobre esta súbita mudança de planos, aguardando-se novos manifestos de apoio e de repúdio, a par de rigorosos estudos técnicos conduzidos por entidades independentes, como o FMI.


O segredo, dizem-nos, está na "reformulação" do anterior projecto e a "refocagem nas mercadorias, reduzindo significativamente a despesa envolvida". Como o anterior projecto previa já uma circulação mista – pessoas e carga –, só podemos concluir que a qualidade da engenharia nacional progrediu extraordinariamente nos últimos meses. São boas notícias.

Ao mesmo tempo, a "inviabilidade económica" do TGV, em fase de exploração, parece ter sido ultrapassada. Não se entende, pois, como ainda há quem critique as folhas de Excel do ministro das Finanças, a menos que tenham sido utilizadas as do ministro da Economia. O tempo revelar-nos-á por certo quais os pressupostos agora utilizados, a composição da procura e a atractividade reforçada do novo tarifário. Finalmente, os mais cépticos serão definitivamente vencidos. A proclamação do primeiro-ministro, em Março de 2012, de que o projecto de alta velocidade seria "definitivamente enterrado" será atribuída à assimetria de informação existente nesse tempo remoto.

Para esta mudança radical de atitude terá contribuído, dizem-nos, uma melhor afectação dos fundos comunitários, elevando-os de 25% para 85% do valor do projecto. A nova comparticipação da UE será um misto, mais generoso, de fundos de coesão e do programa de conectividade europeia (no original, Connecting Europe Facility, ou CEF). Acontece que o financiamento europeu no projecto anterior era de 25% no tocante ao programa Redes Transeuropeias de Transportes, mas atingia os 90% da parte do QREN. A primeira fatia, de cerca de 190 milhões, ficou irremediavelmente perdida. Dir-se-á que esta perda é compensada pelo acesso ao CEF, mas ao fazê-lo estar-se-á a canalizar para um só projecto o que deveria ser aplicado em muitos outros no âmbito da conectividade. Entretanto, prosseguirá o pagamento de indemnizações aos consórcios envolvidos no anterior projecto de alta velocidade.

Se não tiverem ocorrido alterações fantasiosas dos pressupostos e dos fluxos previsionais de passageiros entre Lisboa e Madrid, a viabilidade económica agora (re)descoberta ficará a dever-se ao tráfego de mercadorias. Acontece que o futuro do transporte de carga nesse trajecto é, por ora, totalmente incerto, mesmo que nele venha a entroncar a ligação ferroviária proveniente de Sines. O optimismo com que se encara o transporte ferroviário de mercadorias dos portos portugueses para destinos espanhóis e trans-pirenaicos está longe, muito longe, de encontrar sustentação sólida com as variáveis económicas e concorrenciais que conhecemos. E nem o provável aumento de tráfego marítimo no sentido O-E, por via do novo canal do Panamá, oferece garantias de que os portos portugueses venham a ser visivelmente beneficiados.

Serão estas razões suficientes para se criticar a escolha do Governo? Não, de modo algum. O risco do projecto deve ser assumido, não só pelos seus méritos próprios, como pelas externalidades positivas que induz. O que se lamenta é a demagogia, a perda de tempo, de fundos e de trabalho num momento em que dele estamos tão carenciados. O que se espera é que o troca-tintismo não volte a fazer das suas.

Economista; Professor do ISEG

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