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A ginjinha e o croissant

É certo que a decadência tem os seus adeptos. Para os que nunca conheceram outra coisa, a Lisboa dos bairros insalubres, das casas a cair, das crianças rotas e das lojas terceiro-mundistas era o seu aquário.

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As cidades estão a mudar. A crescente urbanização da população mundial é o pano de fundo para uma série de outros fenómenos de natureza económica que vêm provocando alterações profundas no tecido social de algumas grandes metrópoles, sobretudo as mais procuradas pelos imigrantes e pelo turismo. Cidades como Paris, Londres, Barcelona ou Roma têm vindo a atravessar processos de transformação com impactos significativos na vida dos habitantes. Uns vêem nesta dinâmica algo de positivo e regenerador, outros ressentem-na, por saudosismo ou por risco de exclusão. As principais cidades portuguesas não escapam a esta realidade. Lisboa e Porto não voltarão a ser como dantes. E ainda bem.

 

"Fecham as tascas, onde podíamos beber a nossa ginjinha, fecham as leitarias onde os mais velhos se cruzavam, para abrirem coisas finas onde os turistas comem croissants" - queixa-se um morador de Alfama. "É o fim do nosso bairro", conclui. A seu lado, um idoso recorda a alegria dos tempos de outrora, em que todos eram pobres mas honrados e, sobretudo, amigos uns dos outros (como se isso fosse verdade). Para mais, as rendas sobem a olhos vistos e os mais novos (porque os mais velhos estão normalmente sob um regime de protecção) não têm como as pagar e são varridos para a periferia. Assim, as zonas históricas da cidade correm o risco de descaracterização, a ponto de os próprios turistas deixarem de as considerar very typical, argumentam certos olisiponenses.

 

É certo que a decadência tem os seus adeptos. Para os que nunca conheceram outra coisa, a Lisboa dos bairros insalubres, das casas a cair, das crianças rotas e das lojas terceiro-mundistas era o seu aquário. Para alguns viajantes mais exóticos, uma pérola de genuinidade. Brecht dizia preferir uma ostra sã àquela que, em agonia, produzia uma bela pérola. E a maioria dos habitantes dos bairros históricos pensa o mesmo, só que não o exprime ou não consegue ultrapassar a nostalgia do Pátio das Cantigas.

 

As condições de habitabilidade dos bairros históricos degradaram-se de forma contínua durante muitas décadas, em boa parte devido às leis do arrendamento. Os anos que antecederam o actual surto turístico não foram excepção, tendo-se assistido a uma acentuada diminuição do número de habitantes. No passado recente, ao contrário do que muitos afirmam, os jovens de Alfama, da Mouraria ou do Bairro Alto o que queriam era fugir mal pudessem, no que eram incentivados pelas famílias, que viam nisso uma forma de ascensão social.

 

Não foram os turistas, nem os senhorios, quem acabou com as tabernas de fado vadio. Foram os fadistas que se cansaram. Mas agora, com a revitalização provocada pelo turismo e pela actividade imobiliária, ressurgem espaços de inspiração tradicional, novas casas de fado, tascas decentes e mercearias arrumadas. Sim, é o mercado a funcionar, com benefícios visíveis. Aos poderes públicos, em especial à Câmara de Lisboa, incumbe assegurar o equilíbrio da malha urbana tradicional, a começar pela preservação do seu património habitacional e pela atracção de residentes a preços moderados.

 

A figura do mês: Kim Jong-Un

 

Foi preciso um Donald Trump para que uma personagem de opereta asiática emergisse como uma figura de cartaz global. Há um par de anos, o neto de Kim Il-sung divertia o mundo com as suas tiradas ameaçadoras para consumo interno, o seu corte de cabelo heterodoxo e as patuscadas com o excêntrico basquetebolista Dennis Rodman.

 

Hoje, a figura de Kim Jong-un - cujo penteado virou moda - abre telejornais, suscita animados debates geoestratégicos, convoca submarinos e porta-aviões americanos, inquieta o Oriente e o mundo. Dir-se-á que a Coreia do Norte está agora mais ameaçadora e que o seu arsenal bélico é preocupante. Mas o regime de Pyongyang sempre nos habituara aos seus anúncios de ensaios nucleares, nunca provados, e ao lançamento periódico de uns quantos mísseis para Seul ver. Em termos substantivos, nada de novo.

 

O que mudou foi o inquilino da Casa Branca. Falho de ideias e de poderes na frente interna, Trump seguiu a velha táctica - nada como um bom espantalho de olhos rasgados para mobilizar o pagode. Até os democratas aplaudem.

 

Número do mês: 18,7 mil milhões de euros

 

A LVMH é o maior grupo de indústrias de luxo do planeta. A sua história inicia-se em meados dos anos 80, quando Bernard Arnault decide iniciar a sua épica cavalgada para a conquista de 70 casas/marcas de grande prestígio nas indústrias do vestuário, peles, bebidas, perfumes, cosmética, joalharia e relojoaria. O seu portefólio inclui insígnias tão sonantes como Louis Vuitton, Dior, Givenchy, Hermès, Bvlgari, Kenzo, Loewe, Moet-Henessy, Dom Pérignon, Chateau d'Yquem, TAG ou Hublot. Um naipe impressionante de produtos de alta gama, a que Arnault só não conseguiu (ainda) juntar YSL, Cartier e Montblanc!

 

Com uma facturação anual da ordem dos 38 mil milhões de euros, a LVMH vai agora gastar mais 18,7 mil milhões para completar a aquisição do grupo Dior - 12,2 mil milhões à holding Christian Dior SA pelos 26% de capital que não estavam ainda em sua posse e 6,5 mil milhões pela totalidade da Dior Couture. Nada parece assustar o ambicioso grupo francês na luta pelo domínio do mercado do luxo, onde os chineses (quem mais?) compram três em cada 10 artigos.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa

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