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Dos imbecis

Umberto Eco afirmou esta semana que as redes sociais dão voz aos imbecis. Tem toda a razão. Basta ver a quantidade de parvoíces que caiem a cada instante no Facebook ou ler, na imprensa online, os comentários às notícias e artigos de opinião.

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Na vasta maioria, os autores não sabem ler, quanto mais escrever, não sabem argumentar, quanto mais pensar, reduzindo o exercício ao insulto alarve e a banalidades que doem de tão banais que são. Sabendo nós que uma pessoa inteligente consegue fazer-se passar por estúpida, mas já um estúpido nunca consegue fingir que é inteligente, esta gente vive o drama do imbecil que não percebe que o é. Não se pode sequer explicar. Falta cérebro.

 

Mas Eco vai mais longe. Revela saudade do tempo em que os imbecis não passavam do seu covil obscuro ou, em caso de o extravasarem, eram imediatamente mandados calar pelos doutores sapientes. Eco faz aqui, ele próprio, figura de imbecil. Porque o tempo mudou. Para melhor numas coisas, muito melhor, mas para pior noutras como sempre sucede com a evolução.

 

Sendo certo que a internet libertou uma "legião de imbecis" por outro lado ela gerou uma cultura absolutamente nova de acesso e partilha global do conhecimento. Que tem sido decisiva para a incrível aceleração da ciência, tecnologia e do saber em geral. Os aspetos positivos são incomensuravelmente superiores aos negativos. Quando uma pessoa "qualquer" pode exprimir as suas ideias no mesmo plano do senhor doutor isso é bom, não é negativo em si.

 

Mas esta crítica de Umberto Eco esquece uma questão bem mais funda. A imbecilidade não se manifesta só na internet. Pelo contrário, ela tornou-se numa verdadeira cultura popular, generalista, omnipresente. Os media de hoje vivem de imbecis. Veja-se a televisão, nessa constante produção de famosos gerados pela máquina da ignorância e da estupidez, com as suas vidas de fingimento e as suas ideias absolutamente ocas, desinteressantes, cretinas. E que dizer da política? Onde a mediocridade impera e a competência é desdenhada. O modelo partidário é agora uma vasta fábrica de imbecis a quem é dado o poder de decidir da vida de todos nós. O próprio discurso político vai-se tornando cada vez mais infantil, primário, estúpido, em nome da velocidade e truculência da mensagem. Praticamente não há reflexão, mas tão-só intenção, de fazer, prometer, isto ou aquilo, quanta vez sabendo-se que não é viável. Serve o engano, a deceção, a adesão dos néscios.

 

Veja-se ainda alguns mundos paralelos, mas que dominam o quotidiano, como se fossem a coisa mais importante do "zeitgeist". O futebol acima de tudo. Que nos chega a toda a hora, abre telejornais, ocupa cérebros débeis e nos faz perder tempo com os seus debates irrisórios e personagens de ópera bufa. Morre-se no Mediterrâneo, numa saga de escala histórica, mas que importa? A conferência de imprensa de um dirigente, treinador ou jogador tem sempre prioridade mesmo que só fale do vazio e das intrigas de chinelo.

 

E mesmo na ciência, na componente séria e fundamental da atividade humana, a imbecilidade ataca frequentemente em força. Quando se chama a um bosão a "partícula de Deus" não se é só contraditório, é mesmo uma estupidez flagrante. Como se a ciência vacilasse no próprio momento em que se afirma. Que um cientista sério possa concordar com tal designação absurda diz muito sobre a fragilidade das suas mais profundas convicções.

 

A propósito, recentemente deu-se um caso elucidativo. Uma equipa de astrónomos portugueses, liderada por David Sobral, descobriu uma nova Galáxia. Um feito notável. Mas na hora de decidir o nome da dita escolheu-se as iniciais de Cristiano Ronaldo, chama-se CR7. O que mostra como à enorme capacidade científica e tecnológica se soma a perfeita imbecilidade da falta de cultura. Galileu, Cassini, Magalhães, Hubble, Einstein, Newton, já não são referência. Agora as grandes descobertas têm nome de um tipo que dá pontapés numa bola.

 

Não é pois a internet que promove a imbecilidade. Ela está enraizada numa sociedade capaz de grandes realizações, mas que tem um enorme défice de inteligência e cultura.

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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