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Causas da cultura

A cultura erudita não quer evoluir, não tem ideias novas e, pelo contrário, resigna-se à defesa de tradições que, além dos conjurados, não comovem ninguém. É uma força conservadora desligada do mundo e do seu tempo. Não há pachorra.

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Com o futebol a ocupar o centro da cultura portuguesa neste alvor do século 21, com direito a horas e horas de transmissão televisiva e lugar no Panteão, as gentes da cultura dedicam-se à resistência intermitente. De quando em quando uma causa agita as hostes, redigem-se petições, declamam-se títulos para os jornais que ainda têm secções para estas coisas, para tudo ficar na mesma e a trama que deu origem ao efémero frenesi seguir o seu curso. Em suma, a cultura erudita não tem influência nem poder. Não admira. O seu entendimento do mundo atual é arcaico. Dou alguns exemplos.

Por estes dias levanta-se um tremendo alvoroço por causa do leilão da Christie’s em Londres de um vasto conjunto de obras de Miró. Adquiridas, em tempos, pelo famigerado BPN, após a nacionalização passaram para o Estado Português que agora procura deste modo recuperar uma gota de água do oceano de dívidas que os contribuintes têm vindo a pagar. À partida a operação é realmente ridícula e irrelevante. Uma vez que estas obras são "nossas" porque não valorizar a coleção de um qualquer Museu nacional? Tanto mais que o dinheiro que se irá conseguir não vai resolver nenhum problema sério deixado pelo buraco do referido banco, nem terá grande significado nas contas do Estado. Mas, por outro lado, será que estas obras iriam significar um aumento de visitantes, estimular o interesse geral pela arte, elevar a cultura dos portugueses? É mais do que duvidoso. Assim como é muito duvidoso que esta coleção pudesse ter a rentabilidade necessária para se autossustentar. Basta pensar que o Museu Berardo no CCB só consegue muitos visitantes porque a entrada é gratuita. A pagar não vai lá ninguém.

A questão é portanto outra. A proliferação de Museus, acrescida do baixo interesse dos portugueses pelas coisas da arte, não garantem os recursos necessários para manter as portas abertas da quase totalidade do nosso panorama museológico. Há anos que defendo que temos Museus a mais e procura a menos. Não se trata de economia, mas sobretudo de estratégia cultural ou, melhor dito, de falta dela.

O encerramento dos cinemas de Lisboa é outro tema que põe as elites culturais em polvorosa. O Odeon, em 2011, levantou um coro de protestos. Desde ex-ministros da cultura aos mais variados agentes e atores culturais tudo protestou. Não serviu para nada. De seguida fecharam o Quarteto, o King e agora o cinema Londres transformado numa loja chinesa, tipo de comércio que vem substituir as Igrejas Manás de outros tempos. Também aqui a questão é outra. Os cinemas tradicionais fecham porque a tecnologia mudou e hoje temos filmes em casa, no computador, no telemóvel e nos centros comerciais, neste caso acompanhados das irritantes pipocas. Pode alguém imaginar que um simples ato de vontade política consegue manter espaços e atividades obsoletas? Quando não há dinheiro nem interesse?

Outro exemplo prende-se com o Acordo Ortográfico. Uma parte significativa da cultura local é contra a adaptação da língua ao tempo presente. Um tempo em que Portugal é francamente minoritário, em número de habitantes, em economia e portanto na própria circulação da língua. A resistência à mudança define um padrão mental que releva de uma cultura regressiva incapaz de entender o que se passa no mundo. Bem podem os heroicos defensores da língua de Camões, aliás um logro pois Camões não escrevia no português atual, destilar com regularidade argumentos e desinformação que a realidade seguirá o seu caminho. A língua sempre foi uma prática adaptativa e continuará a sê-lo. Basta pensar como se escreve hoje na internet e nos telemóveis ou na quantidade de novas palavras que quase todos os dias emergem da inovação tecnológica e científica.

Em suma, a cultura erudita não quer evoluir, não tem ideias novas e, pelo contrário, resigna-se à defesa de tradições que, além dos conjurados, não comovem ninguém. É uma força conservadora desligada do mundo e do seu tempo. Não há pachorra.

Artista Plástico

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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