Opinião
O império do meio
Muito por mérito do líder da oposição, assistimos na última semana a um ensaio geral da campanha eleitoral para as legislativas. O frenesim foi muito e absolutamente inútil a sete meses de distância mas permitiu-nos perder toda e qualquer esperança quanto à possibilidade de ocorrer um debate de ideias sobre o futuro do país.
Os cortesãos de serviço na blogosfera apressaram-se a distribuir alegremente a quantidade certa de lama para embelezar o carácter do líder do Governo e do líder da oposição.
Não tendo qualquer apreço por este tipo de concurso de asneira, permitam-me recuar no tempo para tentar perceber como é que chegámos aqui.
Em 2011 José Sócrates formalizou a bancarrota do país, aceitou o "Diktat" da troika (não houve qualquer negociação do memorando, as ruínas do governo socialista de então não negociaram nada) e partiu para mais verdes pastagens.
Passos Coelho decidiu executar, com rigor e sem imaginação, o memorando de entendimento com a troika, envergando as vestes de salvador da pátria graças a uma política de austeridade, modelo que, como infelizmente sabemos, teve, no século passado, grande saída no pronto-a-vestir português.
A troika, ainda mais ignara e menos imaginativa do que o Governo português, tentou aprender fazendo. A Comissão Europeia, sem qualquer experiência neste tipo de programas, enviou umas equipas de tristes funcionários evangelizar a cafraria lusa. Chegaram ignorantes, partiram aliviados, nalguns casos arriscaram umas saídas fora dos hotéis e das salas de reunião do Terreiro do Paço. Não consta que alguma vez tenham percebido Portugal ou os portugueses e muito menos os seus problemas. Nos casos de maior sofisticação intelectual e ousadia do palato comeram pastéis de nata e gostaram.
O FMI, que destas andanças tinha alguma experiência, desde logo em anteriores passagens por Portugal, consciente da insegurança da Comissão Europeia e da arrogância da UE, não se envolveu no processo e, maquiavelicamente, foi fazendo uns avisos à navegação quanto às consequências sociais e económicas de um programa de austeridade meramente contabilístico.
O BCE nunca foi levado a sério nestas andanças e Mario Draghi dedicou-se, sensatamente, a tentar criar uma verdadeira política monetária na Zona Euro.
Pelas bandas da oposição e depois de várias hesitações oportunísticas, o Dr. Costa arrancou no Verão de 2014 para uma cavalgada heróica visando apear o secretário-geral do seu partido. Coisa para gigantes, como se viu… Acabada a justa, as hostes socialistas confundiram o Largo do Rato com o país e consideraram que Portugal ansiava por ser governado pelo Dr. Costa e que o leite e o mel jorrariam das pedras da calçada.
No entretanto a má gestão de expectativas irrealistas juntou-se à deriva "syrizica" do Dr. Costa e as sondagens começaram a dar conta do óbvio: ainda que tendo perdido 10% dos votos para pequenos partidos de protesto (BE, Livre, Marinho e Pinto e outros que hão-de vir), os três partidos do arco da governação estão empatados e sem possibilidade de obter uma maioria absoluta.
Qual é a explicação? Simples: o império do meio está em retirada. Com a austeridade a classe média empobreceu (e deixou de ser classe média), emigrou (e deixou de votar de forma relevante) ou abandonou o credo político da classe média (e não vota nos partidos do arco da governação, tradicionalmente defensores dos seus interesses).
A confiança e a esperança desapareceram do vocabulário dos portugueses. A fazer fé nas sondagens não foram ainda substituídas, como na Grécia, por uma deriva suicida. Mas quão longe estamos da discussão de um modelo viável de desenvolvimento económico e social para Portugal…
Advogado