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José Cutileiro - Embaixador 21 de Agosto de 2013 às 00:01

No amor como na guerra

Londres diz que o pretexto não faz sentido, que Madrid está a complicar deliberadamente a vida dos habitantes britânicos do rochedo (os quais, por esmagadora maioria, já várias vezes se manifestaram contra a ambição madrilena de fazer deles espanhóis).

Talvez as relações internacionais obedeçam a regras parecidas com as do comportamento marialva. Há muitos anos, amigo do coração, mais velho do que eu, machista sem remorsos (feministas já as havia nesse tempo mas correcção política não) disse-me, convicto: "Eu, se não tenho uma coisinha por fora, dou mau viver em casa".


Lembrei-me dele a propósito da animação à roda de Gibraltar, criada pelas autoridades de Madrid que revistam longamente todos os carros, camionetas, motos, bicicletas que deixem o rochedo antes de os autorizarem a passar a fronteira espanhola, criando bichas que levam 5 horas a escoar no calor inclemente de Agosto. Parece que em 2012 o contrabando de cigarros para Espanha pela fronteira de Gibraltar foi muito maior do que em 2011, e os espanhóis não querem que isso torne a acontecer. Adiantam que talvez passem a cobrar taxa de entrada de 50 euros e interditem o espaço aéreo. Londres diz que o pretexto não faz sentido, que Madrid está a complicar deliberadamente a vida dos habitantes britânicos do rochedo (os quais, por esmagadora maioria, já várias vezes se manifestaram contra a ambição madrilena de fazer deles espanhóis). Entretanto, disputa de águas opõe pescadores andaluzes à marinha britânica. David Cameron telefonou a José Manuel Barroso a pedir providências europeias urgentes e ameaça levar a Espanha a tribunal. Esta, por seu lado, sugere levantar a questão da soberania de Gibraltar (britânica desde o Tratado de Utrecht de 1713) nas Nações Unidas, talvez de súcia com a Argentina que voltaria à questão das Ilhas Falkland.

Fomentar uma chatice exterior, para adaptar a fórmula do meu amigo marialva, é maneira consagrada de quem governe desviar a atenção de chatices internas que possam voltar os governados contra eles. Desde tempos imemoriais – e seria acreditar demais no progresso julgar que mentalidades e instituições do século XXI poriam os povos a salvo de tais manhas. Mas, depois do caso das Falkland-Malvinas, poder-se-ia esperar um pouco mais de bom senso de Rajoy e de Kirchner. Primeiro, porque não haverá primeiro-ministro britânico que se possa permitir ficar atrás do patriotismo e da coragem de Margaret Thatcher em 1982. Quem quiser agora agitar questões de soberania no Atlântico Sul e à entrada do Mediterrâneo, contra a convicção unânime dos interessados, levará uma corrida em pelo, por muita demagogia infundada nas Nações Unidas. Segundo, porque, no estado actual do mundo, o tiro poderá sair pela culatra (um partido político catalão solidarizou-se com os gibraltinos; do outro lado do Atlântico lembrança do fiasco criminoso do poder militar não está a animar apoio a nova aventura).

Franco também se serviu de Gibraltar. Conta-se que, num dia de grande manifestação diante da embaixada britânica em Madrid, o Alcalde telefonou ao embaixador perguntando se queria que ele mandasse mais polícia. Não, veio a resposta. Bastava que não mandasse mais manifestantes.

Haja juízo.

Embaixador

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