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José Cutileiro - Embaixador 31 de Julho de 2013 às 00:01

Esquerda, Direita, Mandela

Promotores activos desse mundo, sumido o papão que lhes metia medo, julgaram que o fim do comunismo era extinção de uma doença e não falência de um remédio e desembestaram no afã de tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres

Quando conheci Ahmed Kathrada em 1989, libertado de 28 anos de cadeia, e ele me disse "Sabe que eu sou comunista?", soou-me como se me tivesse dito que era vegetariano. A União Soviética estava à beira de se desmoronar – o Muro de Berlim cairia daí a um mês – e aquela sua preferência passara ao foro privado, sem implicações políticas (se as tivesse ainda, o governo do Partido Nacional não o teria libertado – nem libertaria Nelson Mandela cinco meses mais tarde mesmo sabendo que Mandela não era comunista). A democratização da África do Sul só foi possível quando aconteceu graças ao descrédito do comunismo como receita da felicidade sobre a Terra e ao colapso da União Soviética. 


O fim do comunismo soviético não foi o fim da esquerda, mas deu um golpe às pretensões teóricas de socialistas e sociais-democratas que se sintam pouco à vontade no mundo capitalista. Por seu lado, promotores activos desse mundo, sumido o papão que lhes metia medo, julgaram que o fim do comunismo era extinção de uma doença e não falência de um remédio e desembestaram no afã de tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Protagonistas dessa tendência nefasta são, por exemplo, congressistas do Partido Republicano em Washington.

Entretanto na Europa, entre inimigos da austeridade a Sul e amigos da austeridade (para os outros) a Norte, a cena política baralhou-se e gente que não pertença às extremas tem muitas vezes dificuldade em se identificar – e ser identificada – à esquerda ou à direita. Para meu próprio uso, criei método simples e prático (espécie de regra de polegar, chamar-lhe-ia um inglês) que divide as pessoas para quem participação política é uma obrigação moral em dois grupos, segundo um só critério. Há as que acreditam que o homem é naturalmente bom e que o propósito das instituições políticas deveria ser o de criar – a bem de preferência, a mal não havendo outro remédio – condições para que essa bondade possa ser exercida sem entraves. São, consciente ou inconscientemente, inspiradas por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e têm feito muito mal ao mundo. No outro grupo há as pessoas que acreditam que o homem não é naturalmente boa rez, que séculos a fio instituições políticas tradicionais procuraram defendê-lo das consequências dessa pecha – e que Deus nos livre de revoluções. São, consciente ou inconscientemente, inspiradas por Edmund Burke (1729-1797) – ou pela expulsão do Paraíso... – e têm feito muito menos mal ao mundo do que as do primeiro grupo. Quem se identificar com o segundo grupo é de direita; quem se identificar com o primeiro é de esquerda.

E há quem esteja acima dessa oposição, abarcando quem defenda cada um dos extremos e os compromissos entre eles. São raras; e raríssimas as que juntem a esse ideal pascaliano génio na chefia política. Viva só me lembro de uma, mentora de Ahmed Kathrada. Crianças do mundo inteiro deveriam aprender passagens dos escritos de Nelson Mandela.

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