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José Cutileiro - Embaixador 24 de Julho de 2013 às 00:01

De Alberto a Filipe

No domingo passado, os belgas mudaram de rei. Alberto II que herdara o trono há 20 anos de seu irmão Balduíno, morto de ataque cardíaco em Espanha, terra da mulher, Fabiola de Mora y Aragon, alma gémea da sua que não lhe deu filho nem filha, hoje rainha viúva sempre presente nos momentos rituais que mobilizam a realeza do país, passou-o agora ao filho mais velho, Filipe, que prestou juramento no Senado duas horas depois da abdicação do pai no palácio real, do outro lado da rua, tornando-se o sétimo rei dos belgas.

Teve isto lugar no dia nacional da Bélgica, pois os belgas são gente económica e gostaram de ouvir do governo que, festejando em conjunto o dia nacional, o vigésimo aniversário do reinado de Alberto e a investidura de Filipe, poupavam alguns tostões. 


Com 183 anos a Bélgica não é país antigo mas é país difícil, inventado porque os ingleses queriam pôr um tampão entre eles e as potências continentais. 60% da população – os flamengos do Norte – tem o holandês como língua materna, produz hoje muito mais do que 60% da riqueza nacional e formigam nela sonhos separatistas. 40% da população – os valões do Sul – tem o francês como língua materna, foi riquíssima quando as minas davam, mas hoje é quase pobre e tem muito menos genica do que a dos flamengos. (A Leste, meia dúzia de freguesias ganhas à Alemanha na guerra de 14-18 dão a terceira língua oficial do país). Flamengos e valões são católicos e têm outro traço comum: os franceses troçam dos valões e os holandeses dos flamengos.

Acima deste tripé paira a monarquia, cada vez mais constitucional (isto é, mais desprovida de poderes) com a missão de manter toda aquela gente unida. O rei - até hoje não houve rainha por direito próprio - não é o rei da Bélgica, é "o rei dos belgas" e os belgas não são uma pêra doce. Só me ocorre compará-los com os bósnios, mas de uma parte próspera da Europa, onde a guerra deixou de estar na moda. Além da pressão de separatistas flamengos, miríade de questões grandes e pequenas complicam sempre os acordos políticos a todos os níveis de governação (da Flandres, da Valónia, de Bruxelas). Há pouco tempo o país esteve sem governo central 541 dias. Em alturas assim – e particularmente nessa – o desempenho do rei foi condição "sine qua non" da sobrevivência da Bélgica. Aumentou o prestígio da realeza e a dedicação dos seus súbditos – e tal sentiu-se vivamente agora nos festejos públicos da transição.

A monarquia é como a virgindade: quando se perde, perde-se de vez (salvo na Espanha de hoje - por Franco não ter tido um filho?). É pena. D. Duarte Pio é um homem encantador, com fino sentido de humor (contou-me do recepcionista de hotel na Zululândia que lhe dissera: "Já sei quem o senhor é. É o neto do Salazar!") e longe de mim importuná-lo. Mas, no geral, talvez houvéssemos estado melhor com uma fieira predeterminada de Braganças do que com os sobressaltos inerentes ao sortido de notáveis que nos coube nas 1.ª, 2.ª e 3.ª Repúblicas.

Embaixador

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