Opinião
A falta que a França faz
Se dantes não se queria ser francês, muito menos agora se quer ser alemão. Ou ser como os alemães.
Um dia em debate com Dominique de Villepin disse-lhe que a diferença capital entre franceses e portugueses quanto à integração europeia era que nós queríamos a União para Portugal ficar mais europeu e eles queriam a União para a Europa ficar mais francesa. Desde o começo da Segunda Guerra Mundial, a França tivera um percurso "sui generis": um ano de "drôle de guerre", 4 anos de 40 milhões de pétainistas e por fim, graças a De Gaulle, lugar entre os vencedores no Conselho de Segurança da ONU. A seguir, também devido ao General e ao estalinismo indelével do Partido Comunista, anti-americanismo e anti-capitalismo grassaram em França (o actual inquilino do Eliseu parece convencido de que há pobres por haver ricos).
Bons tempos. As chances de Paris afrancesar de vez a Europa eram nulas e a influência francesa ajudava a apreciar melhor a doçura da vida quer nas relações entre homens e mulheres – longe da misoginia de clérigos sauditas e da misantropia de feministas americanas – quer no vaivém de negócios e orçamentos – uma pitada de inflação era o sal da terra e não, como do lado de lá do Reno, o oitavo pecado mortal.
Dito isto, ninguém na Europa queria ser francês ou francesa ou sequer ser como eles, mas vivia-se tranquilo porque nada a isso nos obrigaria. Equilíbrios ditados pelo Eixo Franco-Alemão davam os tons principais à tela de fundo europeia. Em 1990, a reunificação alemã (que à ultima hora Mitterrand tentara evitar) mudou tudo. Em poucos anos a primazia política dada ao vencedor restabelecido (a França recuperara a Alsácia-Lorena) pelo vencido amputado havia desaparecido.
Só depois do descalabro grego em 2010 se passou a dar bem por isso. Angela Merkel – indiferente à sabedoria de Helmut Kohl (se o projecto europeu acabar a guerra voltará à Europa) e à de Helmut Schmidt (os alemães não se podem deixar entregues a si próprios: já se sabe o que dá) – em vez de dizer aos mercados que a dívida grega era dívida europeia e caminhar decididamente para a união bancária e a mutualização, entrou numa espiral eleitoralista que multiplicou a dívida e cavou um fosso de má-fé entre o Norte e o Sul da Europa. Até hoje. Se dantes não se queria ser francês, muito menos agora se quer ser alemão. Ou ser como os alemães.
Sarkozy colara-se a Merkel tentando manter alguma influência da França. Hollande teve entradas de leão (ia "renegociar o Tratado europeu"), mas caminha para saídas de sendeiro. Nenhum deles cortou despesa. O presidente francês deveria explicar aos seus que a França tem mesmo de se reformar e de apertar o cinto para sair do buraco. Uma vez isso posto em marcha, deveria anunciar cancelamento de cimeiras com a Alemanha até esta deixar de impor políticas de austeridade que vão minando a construção europeia. Berlim apanharia um susto e talvez Chancelaria e Bundestag se passassem a portar outra vez como quando moravam em Bona. Ou quase.
Não é De Gaulle quem quer e arriscamo-nos a viver repetição menos bonita da história.
Embaixador