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José Maria Brandão de Brito - Economista 07 de Julho de 2015 às 21:00

O vórtice grego

Assistir em directo à agonia de uma nação, às angústias dos seus cidadãos, à incompetência, misto de arrogância e de ingenuidade, do seu governo, se constituiu uma história trágica é simultaneamente uma característica dos tempos modernos e um travo amargo pelo que se antevê como um fracasso ou uma perda.

Por fim, o suspense acabou: os gregos responderam NÃO! Mas, no fundo as conclusões que têm vindo a ser tiradas são tão diferentes como as fontes que as produzem. Para o Governo grego, o referendo foi um episódio de relegitimação, (mais) para consumo interno, e está pronto para prosseguir as negociações, com base num novo conjunto de compromissos, como se os episódios dramáticos dos últimos tempos não tivesse posto as condições em níveis impensáveis. Para alguns responsáveis europeus, o não no referendo, foi a derrocada das pontes que a custo mantinham a possibilidade de prosseguir essas negociações. Merkel e Hollande, cujas posições anteriores eram conhecidas, marcaram um encontro para discutir "o dia seguinte" e parecem estar dispostos a prosseguir o diálogo interrompido.

 

Seja como for, o problema regressou ao que sempre tinha sido: primordialmente político e só depois económico e financeiro. Estamos perante duas lógicas que vão ter de se compatibilizar: a do Governo grego que se sente reforçado na sua legitimidade para negociar com os credores e a da direcção política da UE que crê estar perante uma ruptura, precipitada pelos gregos que, numa operação suicida, se pronunciaram pela saída do euro. De facto, tem de haver adultos na sala. Esta é a maior crise que a UE sofre desde o seu nascimento e, por isso, só uma solução excepcional e corajosa pode conduzir a uma saída satisfatória para a Grécia e, acima de tudo, para o conjunto da União Europeia.

 

Acumularam-se demasiados erros, dos dois lados. Os gregos têm de compreender que não podem impor-se, à força, aos credores; as instituições e sobretudo a liderança política da UE tem de parar para pensar: se, dois resgastes depois, a Grécia se encontra na situação actual alguma coisa correu mal nos chamados programas de estabilidade. Que singularidades tem a Grécia que a têm tornado quase insaciável de dinheiro emprestado? Para os gregos os números são aterradores e conduzem ao desespero. Mas para a UE? O que são 2% do seu PIB global? E quanto vale, em termos geoestratégicos, a Grécia aliada e fundadora da NATO? Quanto custa, aos cofres da UE, a sua falência e uma eventual saída da zona euro? Além de coragem vai ser preciso bom senso, estratégia e vontade de acertar (veja-se a proposta de A. Vitorino, J. Delors e P. Lamy, no "Público" de domingo passado).

 

Ninguém vai sair bem deste transe. Mas todos têm de fazer os maiores esforços por sair o melhor possível. Os mercados são implacáveis perante sinais de fraqueza. E os mercados, transitoriamente calmos, preparam-se para novas diabruras. Talvez esteja a vir aí mais uma tempestade perfeita, conjugação da crise da UE e do euro com a crise do Porto Rico ("default" de mais de 72 mil milhões de dólares, anunciado a semana passada) e a hipótese, cada vez mais provável, da borbulha do gigantesco mercado bolsista chinês 'rebentar'.

 

Estamos a viver tempos à beira de demasiados precipícios para os podermos encarar levianamente (todos nos lembramos do Lemon Brothers): o vendaval que se avizinha pode significar uma nova depressão global com a qual vamos ter de lidar durante muito tempo, comportando uma ameaça de muitas centenas de milhões de euros que nunca poderá ser resolvida pelo normal funcionamento de economias fragilizadas.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa

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