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Fannie e Freddie, o fim dos preconceitos?

Todas as crises do capitalismo produzem argumentos que engrossam o debate sobre a pertinência (ou não) das intervenções estatais. E logo esta aconteceu por ironia na América de Bush. As opiniões distribuem-se por largo espectro: umas sustentadas pelos diferentes graus de convicção sobre o papel corrector do Estado na economia; outras com a veemência de que tudo resulta dos erros, ex-ante e ex-post, cometidos pelo Estado na economia, que originam falhas de mercado a médio e longo prazos.

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Na cultura actual do instantâneo, da mensagem eficaz e da gestão das percepções, sabemos que a marca e rótulo se sobrepõem, frequentemente, aos valores e princípios de cada um. Assim, os debates não se aprofundam. A forma e o ‘nomine’ das coisas condicionam a substância.

Por isso, preferimos analisar o assunto numa perspectiva mais desapaixonada e menos arreigada às culturas e sub-culturas sociais dominantes ou em ascensão e pensar no que designaríamos por Estado Estratégico como pano de fundo, para reequacionar o papel do Estado na actual vaga de globalização.

Numa primeira abordagem podemos afirmar que a realidade não está em consonância com nenhum dos modelos prevalecentes! Lembramo-nos também que sempre que se tentou fazer coincidir a realidade com algum modelo, as sociedades passaram por alguns dissabores. Daí a novidade desta crise, a sua persistência e a sua resiliência face às terapêuticas tradicionais.

Os grupos dirigentes, todos nós, mas em especial a classe política, teimam em sintetizar e simplificar a realidade para efeitos de determinação do território de análise, combate, discussão e avaliação das políticas. Mas, se atendermos à complexidade actual das empresas, percebemos que esta intervenção do Estado no Fannie, Freddie e outras que possam aparecer no contexto da sociedade americana – qualquer que seja a perspectiva cultural ou ideológica – era necessária e tem cabimento. É preciso que o Estado seja mais político, para que tenha melhor economia, mais eficaz e mais eficiente.

A discussão não deveria servir para aduzir nenhum argumento primordial de reforço, triunfo ou derrocada dos modelos actuais prevalecentes na discussão pública. Preferimos usar esta crise simbolicamente representada por Fannie e Freddie para orientar a discussão numa perspectiva diferente.

Em primeiro lugar, sugerimos o "back to basics" relativo à génese do Estado e à função da economia. Desta última, qualquer que seja a forma seguida, o resultado final tem que ser sempre a melhoria do bem estar geral através de uma mais eficiente gestão de recursos e, de preferência com a melhor e a mais equitativa possível distribuição da riqueza.

Defendemos uma concepção (nova ou não) para o papel do Estado, que deve ultrapassar os temas estritos da produção económica. A China do capitalismo estatal ou um libérrimo EUA que, no início do século XXI "nacionaliza" empresas, produzem uma enorme confusão e ruído nos modelos existentes. A realidade (que maçadoria!) tenta sempre e teimosamente desvirtuar as teorias.
Em qualquer momento político e circunstância, o Estado de forma organizada tem como desígnio essencial, é neste ponto que ele é estratégico, de contribuir para a resolução dos problemas dos cidadãos, quaisquer que sejam os problemas que os cidadãos originem

Mas terá sempre de os resolver com base em matrizes ideológicas e de modelos económicos prefixados? Não o deve fazer. O Estado bem sucedido – aquele que a médio e longo prazo vai conseguindo melhorar o nível geral de bem estar dos cidadãos – não pode estar definitivamente agarrado a nenhuma ideia ou preconceito sob o grau e a forma como deve intervir. Este Estado estratégico, assente nos conceitos fundamentais de liberdade e de democracia, não se pode limitar a ser, a qualquer preço, uma peça ao serviço de uma ideologia, para "provar" a viabilidade e justiça do modelo seleccionado. Tem de flexível, atender à realidade social, basear a resolução dos problemas em princípios pragmáticos e simples.

Não nos devemos pois admirar que as discussões de liderança do Estado para o desenvolvimento se centrem cada vez mais em perfis, competências e personalidades e menos em sistemas, modelos e planos perfeitos do Estado.

Os estados modernos caracterizam-se pelo privilégio da acção na resolução dos problemas da maioria dos cidadãos, sem bloqueios ideológicos significativos. Muito simples e óbvio, mas permite reforçar uma conclusão: o Estado não se deve cingir a modelos para resolver problemas, nem ficar atado aos modelos na busca das soluções. A maioria quer sempre o seu melhor e maior desenvolvimento pessoal e colectivo. Não há soluções uniformes no mundo complexo actual.

Não nos devemos admirar, à luz deste conceito de estado estratégico, que Bush e o seu secretário de Estado tenham feito uma incursão na melhor ortodoxia keynesiana para praticarem a heresia de uma "nacionalização" de duas enormes empresas tentando assim salvar o essencial que, no fundo, é o reequilíbrio da economia americana e, por arrastamento, de todo o sistema económico e financeiro mundial.

Quaisquer que sejam as opções de base e de modelo económico de cada País, quando surge uma crise que abala o desenvolvimento social e pode até produzir retrocessos, não se compreende qual a razão que impede o Estado de intervir; e em nome de que valores e princípios. O Estado existe afinal, essencialmente, para isso: para gerir estrategicamente a nossa vida colectiva.

Uma elevada iniciativa dos cidadãos assente nas suas capacidades e competências, independente dos regime de enquadramento específicos, foi o que permitiu a melhoria do bem estar das sociedades ao longo dos tempos. Todavia, dessa iniciativa podem resultar prejuízos para a sociedade que (i) têm de ser corrigidos, (ii) os seus autores têm de ser penalizados. A prática mostra-nos que as capacidades auto-correctoras e de punição do mercado nem sempre são eficazes. Daí que apenas o Estado possa assumir, ainda que supletiva e excepcionalmente, essas funções.

A história económica recente está cheia de crises do capitalismo. As crises fazem parte da sua essência. São sempre diferentes umas das outras. Dificilmente previsíveis. Ora a intervenção do Estado na economia, e o momento em que o faz num quadro de incerteza, é um acto político, pelo qual corre os riscos inerentes. Por isso a eficácia da economia de mercado está indelevelmente ligada à democracia representativa.

Cair no extremo oposto de o Estado regular e intervir antes da crise poderia significar não deixar crescer uma floresta, porque a mesma pode arder! Seria a negação da destruição criativa de Schumpeter. A inovação financeira permitiu a assunção de novos riscos empresariais que trouxeram mais empregos e mais desenvolvimento. É certo, que tudo financiado num quadro de iniciativas empresariais feitas no limite, com efeitos globais ainda por determinar.

No fundo, vamos continuar a ter que gerir as crises do capitalismo, se quisermos continuar a ter crescimento económico. Oxalá que os estados estratégicos saibam cada vez melhor reduzir as perdas dos incêndios – que vão necessariamente acontecer – sem prejudicar a criação de florestas.

1)O conceito de Estado Estratégico tem vindo a ser desenvolvido, há uns anos, pela OCDE.

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