Opinião
"Boomerang" astrológico
Os últimos indicadores económicos surpreenderam-nos. A resposta dos portugueses ao modelo de incentivos e de restrições impostos pela "troika", e persistentemente aplicado pelo Governo, é um alívio para a Europa dos austeros, e uma surpresa para os que duvidavam da receita.
As profecias sobre o fim do Euro falharam (até agora…), nos moldes em que uma revista americana se expressava em 2012: "A Europa não tem anos, talvez tenha apenas uns dias". E houve quem saltasse apressadamente para a ideia que o Euro estava safo, mas não a União Europeia.
O "forward guidance" de Draghi tem outro valor. Protege-o os triliões de euros que o BCE possui. E as bondosas palavras de Merkel para com os cumpridores têm a força de uma estratégia monetária e económica pensada e executada ao pormenor. Ambos querem desmentir a revista americana: estão a criar uma nova realidade. Há quem ainda negue esta construção em Portugal (e nos Estados Unidos!).
Mas, as desgraças e as euforias são percepções com que queremos ver a realidade do momento. Uns enganam-se ao fim de 3 meses, outros décadas mais tarde. E o contrário também é verdadeiro. Só a história nos julga verdadeiramente.
No Boletim de Verão 2012, o Banco de Portugal passou de uma projecção de queda do PIB em
2013 de 2;0% para 1,5% no de Inverno 2013, quando no de Outono 2011 previa para 2013 um crescimento de 0,3%. À medida que os acontecimentos se sucedem, naturalmente que as instituições corrigem as suas previsões.
Uma ex-secretária de Estado do Orçamento e ex-ministra da Saúde referia em 2012 relativamente ao OE 2013 que "não há qualquer orçamento que resista quando faz parte de um cenário de ficção científica" e acrescentou que o OE "…é mau, não vai ter uma boa execução…".
Paralelamente, o documento de estratégia orçamental 2011-2015 do Governo previa um crescimento de 1,3% para 2013! Um economista da Universidade do Minho considerava em 14 de Fevereiro de 2013 que "a previsão do Governo não é razoável" e calculava que "o desemprego no final do ano deverá estar próximo dos 20%...".
Quando o presente se compara com a profecia do passado, que se revelou errada, temos de nos questionar: quem se enganou, porque o fez, quem nos devia ter avisado e não o fez e, já agora, o que mudar para não haver de novo um clamoroso erro.
As profecias "per si" são necessárias: indecoroso é não reconhecer naturalmente os desvios, e não ter o cuidado de ressalvar a sua falibilidade. Os últimos indicadores económicos surpreenderam-nos. A resposta dos portugueses ao modelo de incentivos e de restrições impostos pela "troika", e persistentemente aplicado pelo Governo, é um alívio para a Europa dos austeros, e uma surpresa para os que duvidavam da receita.
Mas, há certeza absoluta que nos livraremos "limpos" da "troika" na data estipulada? Não, mas possuímos informação que aponta nesse sentido. Contudo, não nos iludamos: a abertura de Portugal à economia mundial deve-nos lembrar que um revés desta é também o nosso, como teremos outro se o reequilíbrio dos bancos europeus assustar os mercados.
Uma data (saída da "troika") e um número (défice) em política são instrumentos poderosos ou catastróficos. As tecnicalidades de se discutir os acertos ou falhanços em ínfima escala, a manipulação das expectativas (boas e más) feitas por muitos, para o lado que mais lhes agrada, como se tivessem omnisciência, e a falta de poder para concretizar vaticínios, podem ser um "boomerang": a realidade pode surpreender-nos. Vá-se lá saber porquê.
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