Opinião
A vacina coletiva. Onde está?
O Presidente da República entretanto vacina-se, mas não nos traz as vacinas para a doença coletiva em que estamos a viver no seu mandato. A brincadeira vai sair cara ao regime democrático.
A FRASE...
"As negociações da esquerda apresentam-se como uma espécie de brincadeira vergonhosa."
Henrique Monteiro, Expresso online, 21 de outubro de 2020
A ANÁLISE...
Esta crise pandémica conduz-nos à maior queda mundial de produção de riqueza. Este país do "forte abraço do mar com a terra" não será, na certeza, a exceção. Preparemo-nos, no entanto, para as comparações canhestras dos discursos oficial e mediático que aí virão: até não nos estamos a sair assim tão mal.
A vítima contenta-se com os que irão estar pior. Interessa-me a narrativa que vai dominar a esfera pública. Esta afastou-se da realidade nos últimos anos. As justificações para o atual estado da nação são díspares: não houve crise portuguesa, mas internacional; a Europa obrigou-nos a gastar dinheiros públicos (dívida) e esqueceu-se de referir que isso nos ia endividar; a culpa é da troika e do Passos Coelho, do rei Afonso Henriques que não conseguiu formar a nação, dos romanos que viram logo que éramos uns desgovernados sem capacidade governativa; do Estado Novo que atrasou o nosso desenvolvimento, da saída do Império Colonial apressada; dos empresários e trabalhadores que não têm formação, do Estado que se agiganta todos os dias, e empanturrar-se-á com os fundos europeus e mais dívida, das características do povo português que emigra (o bom) e dos que cá ficaram (os maus conservadores), dos velhos do Restelo e dos pós-modernistas das causas fraturantes, do sistema de justiça que ninguém acredita, das ineficiências do Serviço Nacional de Saúde, dos privados que só pensam em lucros, dos bancos que foram capturados pelos poderes públicos e privados, e não escrutinaram a economia e a sociedade como é seu dever, da desordem mundial trazida por Trump, e da burocracia de Bruxelas e do eixo franco-alemão.
Uff! Parece realmente uma brincadeira, mas não é. O PSD, que é uma alternativa central do sistema, neste caso o PSD de Rui Rio, ao não embarcar numa oposição agressiva tem, pelo menos, um mérito: vai lentamente despindo na praça pública a incoerência do PS e da sua adorada geringonça, com ou sem arrufos, e por portas travessas ajuda a revelar que não governar bem não é uma responsabilidade dos que os antecederam, mas daqueles que estão no poder. O Presidente da República entretanto vacina-se, mas não nos traz as vacinas para a doença coletiva em que estamos a viver no seu mandato. A brincadeira vai sair cara ao regime democrático.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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