Opinião
Sem missão, só dispersão
As organizações de solidariedade social proliferam em Portugal, normalmente associadas a iniciativas de cariz religioso ou de filantropia de detentores de grandes fortunas. Lamentavelmente, em poucos casos estas instituições fluem da sociedade civil organizada.
Esta génese impede, em muitos casos, uma definição clara da missão da instituição e uma consequente aplicação da Teoria da Mudança. Não admira assim que os resultados finais destas entidades poucas vezes sejam alcançados e que apesar dos vastos recursos, essencialmente estatais, que lhes são disponibilizados, o seu impacto social seja mínimo.
A definição da missão é essencial para evitar uma dispersão de esforços e recursos. Sabe-se hoje que organizações mais focadas são mais eficazes e eficientes do que organizações que se dispersam por diversas áreas. A especialização é a base da sociedade moderna.
No panorama português, ao percorrer os sites de algumas das principais IPSS portuguesas não encontramos sequer, na maioria dos casos, uma definição da sua missão, ou então deparamos com definições tão latas em que tudo é possível.
Analisemos como exemplo a missão da Cruz Vermelha: "A Cruz Vermelha Portuguesa esforça-se para prevenir e aliviar o sofrimento humano, em Portugal e no mundo." Nada poderia ser menos esclarecedor como guia para a ação. Veja-se a ambição desmedida do "Portugal e no mundo", note-se a dificuldade que é perceber o que fazer para "prevenir e aliviar o sofrimento humano". Que tipo de sofrimento? A doença que provoca sofrimento? Os desgostos sentimentais? De que forma o fazer? Através da pesquisa científica? Através da distribuição de analgésicos? Através da oferta de aconselhamento sentimental?
Não havendo clareza no que se pretende, a ação tende, naturalmente, a ser dispersa e ineficaz.
Verificamos que a Cruz Vermelha disponibiliza creches para 3.500 crianças e jovens. Como é que esta ação se integra na missão de "prevenir e aliviar o sofrimento humano"? A Cruz Vermelha atua ainda na emergência com 86 estruturas; no apoio geriátrico, em que presta serviço a 1.200 pessoas; na educação, em academias e clubes seniores nos quais totaliza 1.500 alunos; no apoio a refugiados, tendo recebido desde 2015 100 indivíduos, etc., etc. A dispersão é evidente. O impacto em cada área, minúsculo, apesar dos largos recursos de que dispõe e de 2.000 voluntários que se oferecem graciosamente para colaborar.
Contraste-se com a definição de missão de uma organização norte-americana bem conhecida a Fundação Helen Keller que se "esforça por evitar a cegueira e a surdez através da investigação e da educação". Simples e direta. Focada em apenas duas condições extremas de falta de visão e de audição e através de dois métodos: a pesquisa científica e a instrução. Quando alguém propõe um projeto de distribuição de óculos, é fácil perceber que está fora da missão da organização.
Os resultados estão à vista com o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas que revolucionaram o tratamento dos olhos, com o desenvolvimento da traumatologia ocular como especialidade separada da oftalmologia, e muitas outras descobertas que mudaram e melhoraram a forma de curar doenças da visão e que restituíram esse sentido a milhões de pessoas. Um impacto forte e global.
As IPSS portuguesas, se querem verdadeiramente ter um impacto na sociedade nacional, devem aprender a definir melhor a sua missão e especializar-se no que fazem melhor, evitando dispersar-se por mil atividades.
Economista
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