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17 de Novembro de 2020 às 17:50

Ensaio sobre a gaguez e o desprestígio internacional de Portugal

Esta é uma crónica amarga, como o sentimento que me invade ao saber que para continuar a exercer uma violência injustificada sobre os portugueses negros e ciganos a polícia tem a proteção do IGAI e das autoridades governativas.

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Dois temas diferentes, fortemente interligados. Agora que Joe Biden e Kamala Harris foram eleitos respetivamente Presidente e vice-presidente do país mais poderoso do mundo não se ouvem as numerosas vozes dos que em coro berravam como desalmados contra a eleição de uma deputada por ser negra… perdão (ou talvez não) por ser gaga.

 

É que os EUA vão passar a ter um Presidente assumidamente gago e uma vice-presidente negra. Por isso se calam. Não que deixassem de ser o que sempre foram: racistas, mas apenas porque têm medo de criticar os fortes e poderosos à sombra de quem medram.

 

Já não gritam que uma ou um gago é incapaz para a política, engolem em seco e terão com certeza palavras de falso elogio para tão grande personagem, e não terão coragem de fazer intervenções no Parlamento a exortar a vice-presidente americana a "voltar para a sua terra". Eis como se vê a fibra de determinados articulistas e políticos. Racistas por dentro, cobardes por dentro e por fora.

 

O desprestígio internacional do país chega-nos pela mão da IGAI uma estrutura do Ministério da Administração Interna chefiado pelo Ministro Eduardo Cabrita. Segundo uma excelente reportagem feita pela jornalista Joana Gorjão Henriques a propósito do relatório do Conselho da Europa que novamente acusa a polícia portuguesa de tortura, maus tratos e de violações dos direitos humanos, a alta representante dessa instituição referiu que já "não acredita na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI)". Como é possível descer tão baixo, como é possível desprestigiar desta forma o nosso país? Que imagem queremos projetar na Europa? A de um país que não controla as suas forças policiais, que as não consegue disciplinar? A de um país onde a tortura e o desrespeito dos direitos humanos são constantes sobre os portugueses afrodescendentes, ciganos e de outras etnias?

 

Que fez o Governo e o ministro depois de receber tamanha humilhação pública? Demitiu o responsável pelo IGAI que arrasta o nome do nosso país pela lama? Demitiu-se por ter deixado a situação chegar ao extremo de as entidades internacionais apontarem o país a dedo? Pretende seguir a política salazarista do "orgulhosamente sós" na arena internacional batendo o pé, como o Chega, clamando hipocritamente que existe tolerância zero para com os agentes abusadores mas em simultâneo mostrando que não houve uma única condenação na última década em contraste com centenas de queixas a maioria delas muito bem documentadas. Dizendo uma coisa e fazendo outra e pensando que os outros são cegos, surdos e mudos?

 

Onde estão os comentaristas defensores do Direitos Humanos? Que campanhas promovem contra estes abusos? Que responsabilidades pedem ao Governo?

 

Esta é uma crónica amarga, como o sentimento que me invade ao saber que para continuar a exercer uma violência injustificada sobre os portugueses negros e ciganos a polícia tem a proteção do IGAI e das autoridades governativas. Um sabor amargo como o de ver Portugal desprestigiado internacionalmente ao ponto de "não acreditarem" nas nossas autoridades.

 

Tudo isso tem consequências profundamente negativas quer económicas quer sociais para todos nós. No momento em que precisamos de solidariedade internacional para ultrapassar uma crise profunda em que a falta de vigor no combate à pandemia nos lançou, é neste preciso momento que o IGAI e o Ministério da Administração Interna escolhem para desprestigiar o nosso país contando historietas mal-amanhadas à delegação internacional do Conselho da Europa. Que tristeza.

 

Economista

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