Opinião
Democracia ou "República das Bananas"?
O relatório final do juiz Macpherson concluiu inclusivamente que na polícia Metropolitana de Londres reinava um racismo institucional generalizado que era urgente erradicar, propondo 70 medidas práticas para o fazer.
Há países, muito fracos e dependentes, que adotam formalmente as instituições democráticas mas no seu funcionamento institucional grassa a corrupção, as leis não são aplicadas a todos da mesma forma, a violência policial reina impune sobre os bairros pobres. Formalmente a democracia, mas no essencial os procedimentos e as atitudes, continuam como se em ditadura se vivesse. Para estes regimes, muito disseminados na América Central, o contista norte-americano William Sydney Porter, que usava o pseudónimo literário de O. Henry, cunhou em 1901 o termo "República das Bananas". Woody Allen satirizou estes regimes no seu filme "Bananas".
A forma como os regimes reagem a episódios semelhantes permite destrinçar as "Repúblicas das Bananas" das democracias. Analisemos um exemplo.
Recentemente pacíficos civis negros foram brutalmente agredidos pela polícia num bairro pobre (Jamaica) em Portugal. Perante a situação foi aberto um inquérito interno, a efetuar pela própria polícia, e o Presidente e muitos políticos apressaram-se a assegurar que se tratou de um ato isolado que não se pode generalizar. O Presidente visitou a policia e o bairro e tirou uma selfies. Tudo permaneceu na mesma.
Em Abril de 1993 Stephen Lawrence de 18 anos foi assassinado à facada por um bando de racistas brancos. Apesar dos assassinos terem sido denunciados por várias testemunhas a polícia arquivou o caso. The Independent, pegou no caso e trouxe-o para a opinião pública. O governo foi obrigado a nomear uma comissão de inquérito independente.
Duas diferenças marcantes: a) num caso a generalidade da imprensa pôs-se do lado da vítima (Reino Unido) e noutro dos agressores (Portugal); b) sob a pressão da opinião pública o Reino Unido nomeou uma comissão de inquérito independente liderada por um juiz jubilado do Supremo Tribunal, Portugal instaurou um inquérito interno.
Naturalmente que um inquérito interno tem maiores possibilidades de ser inquinado pelo corporativismo e pela pressão de pares e um inquérito independente mais possibilidades de chegar à verdade. Nada despicienda esta diferença.
Mas a mais marcante e importante diferença é a seguinte. No Reino Unido a Rainha não fez declarações sobre o caso, nem os principais políticos condicionaram com as suas declarações os resultados do inquérito. Não vieram dizer que se tratava de ato isolado e que se não podia generalizar. Pelo contrário deixaram seguir o inquérito.
O relatório final do juiz Macpherson concluiu inclusivamente que na polícia Metropolitana de Londres reinava um racismo institucional generalizado que era urgente erradicar, propondo 70 medidas práticas para o fazer. Nada continuou na mesma. A polícia Metropolitana foi, em consequência do relatório, profundamente remodelada.
Em Portugal as conclusões do inquérito (ato isolado que se não pode generalizar) foram previamente anunciadas pelo Presidente da República e pelos políticos. Eis a boa maneira de negar Justiça às vítimas e de transformar um inquérito numa mascarada.
Olhando para este simples exemplo, aqui simplificado, sabendo que a nossa constituição garante que somos uma democracia, a quem podemos atribuir o epiteto de "Repúblicas das Bananas"? Ao Reino Unido?
Economista