Opinião
As favelas lisboetas
Começamos a estar fora da Europa, a que insistimos pertencer, mas cujo modelo social recusamos, e estamos a optar, cada vez mais, por um certo tipo de sociedade sul-americana de grande desigualdade.
Nos anos sessenta do século passado milhares de portugueses fugidos ao atraso, à fome e à guerra colonial emigraram para França e, não tendo habitação, construíram bairros de lata nos arredores das principais cidades francesas. A miséria em que viviam chocou a sociedade francesa que se mobilizou para os realojar. Um esforço gigantesco foi feito para construir casas para as centenas de milhares de portugueses emigrantes. Em poucos anos as favelas foram erradicadas. A solução então encontrada não foi a melhor, uma vez que se contruíram autênticos guetos nas periferias para alojar os portugueses e outros emigrantes que foram chegando. Mas eliminou as favelas e deu uma habitação mais digna a muitos dos nossos compatriotas, num momento em que Portugal continuava pejado de favelas.
Por estes dias a CM TV, que faz um trabalho notável no desvendar destes mundos esquecidos, tem-nos dado a conhecer várias favelas da periferia lisboeta ao acompanhar as rusgas da Polícia, no que parece a Polícia Militar a invadir as favelas brasileiras.
O método de atuação da Polícia é sempre o mesmo. Cerca-se a favela, cortam-se os acessos, avançam carros blindados apoiados por polícias a pé fortemente armados. Arrobam as portas das casas, revistam tudo e todos. No final apreende-se uma popular faca de ponta e mola, umas gramas de droga e prendem-se um ou dois moradores. Um êxito.
Hoje, passados que estão mais de sessenta anos, e que o PIB per capita português é superior ao da França dos anos 60 surge como inadmissível a persistência de pequenas e grandes favelas nas periferias das grandes cidades portuguesas como o Porto e Lisboa. Milhares de portugueses negros e ciganos, mas também brancos, vivem com enorme sacrifício em favelas sem condições, algumas sem esgotos, luz ou água canalizada. Não se trata de dificuldades do país, não se trata de falta de recursos, trata-se de desumanidade, de racismo, de fechar os olhos ao sofrimento alheio, de desprezo pela vida humana.
Hoje também temos uma nova realidade. As favelas no tecido urbano. Com casas sobrelotadas onde se apinham os moradores, sem privacidade e sem condições.
Começamos a estar fora da Europa, a que insistimos pertencer, mas cujo modelo social recusamos, e estamos a optar, cada vez mais, por um certo tipo de sociedade sul-americana de grande desigualdade, de grande indiferença ao sofrimento dos que se encontram na zona inferior da escala social, de grande pobreza e miséria. Note-se que o PIB per capita em paridade de poder de compra de Portugal está já próximo do de países como o Chile, a Argentina ou o Uruguai. Em poucos anos estes países podem mesmo ultrapassar-nos.
Esta desigualdade não é boa para a economia. Reduz o mercado interno e não permite às empresas terem uma base nacional sobre que se apoiarem antes de iniciar a necessária e útil internacionalização. Nessas circunstâncias a internacionalização é feita de fora para dentro, isto é são as empresas estrangeiras que se estabelecem em Portugal, importam produtos semiacabados, montam-nos em Portugal e exportam-nos. Ou em alternativas vem a Portugal subcontratar empresas para lhes produzir uma pequena parcela da sua cadeia de valor. Desta forma o valor acrescentado é pequeno, pouco mais do que salários baixos.
Portugal precisa de outro modelo social. Um mais humano e inclusivo. Sem ele não conseguiremos sair do nosso atraso e apenas oferecemos como futuro para as gerações mais talentosas a porta da emigração.
A Habitação é, sem dúvida, uma das grandes prioridades esquecida e desprezada pelas políticas públicas nos últimos anos.