Opinião
A Igreja e o Racismo
O silêncio cúmplice não pode mais ser a norma. Foi esse silêncio que levou ao escândalo da pedofilia descoberto em numerosos países, quando com coragem e frontalidade tal mal podia ter sido arrancado pela raiz logo à nascença.
A Igreja Católica, em total oposição aos ensinamentos de Cristo, tem um longo historial de apoio à escravização de pessoas humanas, nomeadamente a escravização de africanos. O tráfego negreiro promovido por Portugal e por outras potências europeias teve a bênção da Igreja Católica até ao fim.
Em 1452 o Papa Nicolau V emitiu a bula Dum Diversas autorizando o rei português Afonso V a fazer de muçulmanos e pagãos capturados "servos perpétuos", i.e. a escraviza-los. Os seus sucessores Calisto III, Sisto IV e Leão X alargaram o âmbito da escravização de pessoas humanas aprovada pela Igreja.
A bula de Nicolau V expressamente autorizava o rei português a "atacar, conquistar e submeter sarracenos, pagãos e outros descrentes inimigos de Cristo; a capturar os seus bens e territórios; a reduzi-los à escravatura perpétua e transferir as suas terras e territórios para o Rei de Portugal e para os seus sucessores". Uma autorização aberta e descarada para os maiores crimes.
Recentemente o padre José Antunes – Presidente da Assembleia Geral do Vitória de Guimarães – afirmou alto e bom som, com o eco poderoso da comunicação social, que o futebolista francês Marega devia ir ao psiquiatra pelo ato que acabara de cometer ao abandonar um jogo devido aos insultos racistas de que estava a ser alvo. Assim a atitude corajosa e digna do futebolista francês para este padre seria doença mental a precisar de tratamento. Se isto não é racismo o que o será?
O próprio Vitória de Guimarães considerou o comentário inapropriado e demarcou-se das declarações do padre. A Igreja Católica, contudo, não o fez. Porquê?
Porque se calou a Igreja Católica e os seus principais dignitários? Porque em alternativa se preparava o patriarca para receber com todas as honras e fanfarras o deputado do Chega? Porque abriu as suas portas ao mesmo indivíduo para que esse as usasse na sua campanha presidencial.
Não ignoramos o extraordinário labor de muitos padres, freiras e leigos junto das minorias étnico-raciais levando a cabo um trabalho meritório que é necessário assinalar. Mas sabemos também que são uma voz minoritária, muitas vezes isolada, no seio da poderosa Igreja Católica portuguesa.
A Igreja Católica portuguesa, ao contrário das suas congéneres protestantes europeias nunca fez uma introspeção suficientemente profunda e crítica que lhe permita distanciar-se do seu passado esclavagista, colonialista e aceitar a diversidade, a tolerância e erradicar do seu seio racistas orgulhosos e confessos como os que aconselham os negros a ir ao psiquiatra quando se levantam em defesa dos seus direitos cívicos.
O silêncio cúmplice não pode mais ser a norma. Foi esse silêncio que levou ao escândalo da pedofilia descoberto em numerosos países, quando com coragem e frontalidade tal mal podia ter sido arrancado pela raiz logo à nascença. Espero, pois, que esta crítica fraternal seja recebida pela Igreja Católica como uma chamada de despertar para o tema do racismo e não seja respondida com acinte e intolerância.
Como escreveu uma poetisa e se cantava nas Igrejas "Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar".
Economista