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Pensar pequeno, regressar em grande

Ou conseguimos reverter este cemitério de negócios ou, com a concorrência dos nossos vizinhos a afiar as garras, vamos voltar à cauda dos pelotões antes mesmo de nos pormos de pé.

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Primeiro, o cliché: Portugal tem de se preparar para reabrir as portas. Assim que as quarentenas acabarem e as vacinas derrotarem o medo, temos de voltar à “pole position” do turismo e mostrar ao mundo que estamos prontos. Aliás, prontos, fortes e bonitos. Agora, vamos à verdade: não estamos. Nem fortes, nem bonitos. E mentir sobre isto é inútil, porque os prejuízos estão à vista.

As grandes cidades do nosso país estão cheias de más notícias: montras tapadas, lojas fechadas, restaurantes falidos, hotéis emparedados. Solução? Não é fácil, obviamente, mas começa por acabar com a obsessão de discutir o passado e o que podíamos ter feito; bem como a inutilidade de adivinhar o futuro e o que vamos fazer em 2023.

Mais do que nunca precisamos de olhar para o presente e agir. Apostar na arte que mais nos distinguiu ao longo dos séculos, o desenrascanço, e criar alternativas imediatas a este estado de coisas. Sublinho imediatas – o desafio que temos pela frente não é teórico nem adiável. Ou conseguimos reverter este cemitério de negócios ou, com a concorrência dos nossos vizinhos a afiar as garras, vamos voltar à cauda dos pelotões antes mesmo de nos pormos de pé.

Antecipando a crítica do costume — “é fácil dizer, difícil é resolver” —, adianto já o meu contributo para esta empreitada. Uma ideia simples: a activação temporária de conceitos e de marcas nacionais, em larga escala, nos melhores espaços públicos nacionais. Multiplicação de pop-ups, para quem preferir a gíria dos estrangeirismos, que é hoje o formato mais popular no mundo comercial e que todos os estudos de tendências dizem que duplicará nos próximos anos.

Não há nada de novo neste fenómeno, já agora (deve existir desde os mercados da Idade Média), a não ser o facto de ter entrado numa etapa supersónica nos últimos anos. Primeiro, foram as maiores marcas de moda a competir entre si, abrindo espaços em lugares tão improváveis como garagens e telhados de edifícios privados; depois, vieram os restaurantes com ideias idênticas, a servir refeições em jardins, grutas, rodas-gigantes e até em praias do outro lado do mundo.

Exemplos há muitos. Em todos eles, no entanto, os empresários fizeram-no por razões bem diferentes das que me movem. Eles queriam aumentar o valor comercial das suas marcas, criar experiências para os clientes ou simplesmente provocar impacto mediático. Eu sugiro fazermos isto por uma razão bem mais vital: a maldita necessidade. Precisamos, como pão para a boca, de um milagre que, apesar da nossa falta de dinheiro, faça desaparecer os tapumes destes espaços abandonados e que reanime — o nosso grande objectivo — as empresas e os empresários que deram vida às nossas cidades e que hoje vivem o desânimo e o desespero de não ver fim à crise. Nunca, mas nunca, desvalorizemos este estado de alma.

O lançamento de um plano pop-up por uma câmara ou até pelo Governo teria essa missão: desafiar os empresários que melhor sabem fazer lojas, bares, galerias, restaurantes, discotecas, teatros e espaços de entretenimento a voltar às suas cidades e à vida activa para criar todo o tipo de conteúdos que as cidades precisam. Mas desta vez num formato temporário, mais barato — por causa da escala — criativo e, sobretudo, rápido. O grande chamariz, tanto para eles como para os clientes, seria, naturalmente, o local. Os mais improváveis e inalcançáveis locais do nosso país. Jardins e passeios públicos, monumentos e espaços sagrados, praças e miradouros, espaços à beira-mar e à beira-rio.

Não seria para sempre, caro defensor da causa pública que já tem os cabelos em pé. Calma: seria temporário. No máximo, um, dois ou três anos, dependendo do projecto e do investimento. Mas sempre — sempre!—, em sítios onde jamais a cidade imaginaria uma exploração comercial. Onde jamais a cidade aceitaria ver toldos e esplanadas. E nunca, jamais poderíamos deixar que isto voltasse a acontecer. É isso que define uma excepção. Grandes males, infelizmente, exigem grandes remédios.

E porquê envolver as autoridades? Os empresários não fariam isso por sua própria iniciativa? A resposta é: não, nunca. Qualquer empresário que gere um espaço público vê na máquina do Estado o seu inimigo número um. Entre a atitude jurássica da maior parte das juntas de freguesia, o entendimento estreito das entidades que regem o património, a malha kafkiana dos mil e um departamentos de todas as câmaras municipais do país, o enredo dos processos de licenciamento, as toneladas de leis sobre cada actividade, cada área geográfica, cada tema específico, como o ruído, a extracção de fumo, a mobilidade, a ocupação de esplanadas... a intenção fica invariavelmente reduzida a escombros.

É aqui que entra o apelo desta crónica, inteiramente dirigido às nossas câmaras e às entidades do Estado que podem fazer tudo acontecer. Criem excepções, simplifiquem, arrisquem. Não tem de ser com esta ideia, mas tem de ser com alguma. 

Artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Presidente e diretor criativo do Time Out Market

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