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Moedas e a tentação do antiturismo

E o turismo, caro candidato Carlos Moedas, é bom para Portugal. Sem “mas”. Encostar-se ao populismo dos que confundem a árvore com a floresta de propósito, só para ter votos ou likes, não é admissível.

Ninguém diz que a bazuca europeia “é boa, mas...”; ou que viver num país pobre “é mau, mas...”. As verdades absolutas não se questionam, não têm “mas”. Ter saúde é bom, o racismo é mau. Ser honesto é bom, dizer disparates é mau. E o turismo, caro candidato Carlos Moedas, é bom para Portugal. Sem “mas”. Encostar-se ao populismo dos que confundem a árvore com a floresta de propósito, só para ter votos ou likes, não é admissível. Especialmente hoje, neste momento trágico, perante um sector que está de joelhos e que tanto deu a este país.

Eu acredito que tenha sido um erro de precipitação. Partilho, aliás, o entusiasmo de todos os que veem no duelo Medina-Moedas um grande sinal de vitalidade democrática. Mas há limites neste jogo, e somos nós, sociedade civil, os interessados no futuro das nossas cidades, quem tem de os definir. Já e com clareza.

É verdade que a campanha do candidato do PSD à Câmara de Lisboa começou cedo demais para poder haver ponderação – tão cedo, aliás, que nem as eleições anteriores estavam consumadas com a tomada de posse do Presidente da República. Mas nem isso é desculpa para a quantidade de soundbytes que já ouvimos contra o turismo.

Na primeira apresentação pública, no filme oficial da candidatura e na primeira grande entrevista – as únicas três oportunidades públicas até ao dia de hoje –, Moedas quis claramente deixar a ideia de uma Lisboa tomada, dominada e semidestruída pelo turismo. A mesma Lisboa que lidera todos os rankings mundiais de notoriedade, admirada e elogiada pelo mundo inteiro; o mesmo turismo que possibilitou a reviravolta económica do país em meia dúzia de anos. Essa Lisboa.

Moedas esteve cinco anos em Bruxelas e diz que quando regressou à capital em definitivo sentiu “um choque”. Viu uma cidade totalmente “afastada das pessoas”, que se “começou a construir para os turistas”. Na verdade, e por mais que custe reconhecer a um ex-governante deste país, não foi para os turistas – foi pelos turistas. Pelo dinheiro que eles nos trouxeram e que nós nunca soubemos produzir de outra forma.

Como bom político que diz não ser, Carlos Moedas garante, no entanto, ser “o primeiro a defender o turismo”. Isto para logo acrescentar dezenas de “mas”, que obviamente tiram força, mérito e todo o respeito que o sector merece. Justiça lhe seja feita: não é o primeiro nem será o último a fazê-lo. O antiturismo primário é cada vez mais popular na política e está para os moderados como o anticomunismo para os extremistas. É arma fácil.

Alicerça-se, curiosamente, na mesmíssima brecha de reconhecimento público que tem boicotado o projecto do novo aeroporto. “Inacreditável, 50 anos a discutir projectos...”, suspirámos todos nas últimas semanas, com o mesmo desapego de quem está a avaliar uma série da Netflix ou a discutir o novo aeroporto de Kuala Lumpur. Porque na verdade, enquanto sociedade, não valorizamos minimamente a importância estratégica destes temas. Basta fazer um exercício hipotético: estivéssemos a discutir a redução do IVA ou a possibilidade de o campeonato mundial de futebol ser organizado em Portugal e, aí sim, o nosso nobre povo (em que me incluo) defenestrava o primeiro partido que ousasse boicotar o processo. Já o resto são amendoins.

O problema é que não são. E aos políticos, acima de todos, pede-se a responsabilidade de estar acima desta atitude e de zelar pelas oportunidades reais do nosso país. Como mínimo dos mínimos.

Carlos Moedas fez o contrário neste início de campanha. Encostou-se ao sector da sociedade mais retrógrada e antiliberal (quem diria) e apoiando-se nos seus medos, com um discurso totalmente genérico e abstracto, cavalgou contra um sector inteiro, sem concretizar uma única crítica, sem anunciar uma única proposta. E pelo caminho ainda teve tempo para fazer nostalgia sobre a cidade dos anos 80 e 90, quando ele era feliz aqui, aparentemente, mas por azar as pessoas eram mais pobres, a cidade era mais suja e o centro era um deserto urbano, aberto à criminalidade a partir das sete horas.

Bizarramente, fê-lo na pior altura provavelmente do século. Quando centenas ou milhares de empresários, os tais donos de lojas, restaurantes, hotéis e dos milhares de negócios que dependem do turismo e que tanta riqueza trouxeram ao país, estão falidos e deprimidos.

A bem do tal debate democrático que todos ansiamos, factual e relevante, impõe-se que mude de estratégia. Que concretize e mostre caminhos, em vez de destruir a pouca esperança que resta aos empresários que o país mais precisará para recuperar o país (facto).

E agora sim, no final do texto e por conseguinte da hierarquia, o reconhecimento que os velhos do Restelo esperam: sim, o turismo tem problemas. Inevitavelmente. Como têm todos (repito todos) os sectores, empresas e famílias. E como em todos os sectores, empresas e famílias, só há uma maneira de lidar com eles: chamando-os pelos nomes, discutindo-os e resolvendo-os. Com coragem e inteligência. Sem “mas”.

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