Opinião
Um toque de mercado e monopólio político
Diversas propostas de reformas divulgadas parcialmente ou na totalidade antes do plenário do Partido Comunista traçam um quadro bastante complexo das difíceis opções com que se confronta a liderança chinesa.
O Partido Comunista Chinês reiterou a intenção de prosseguir reformas económicas tendentes a propiciar um rolo acrescido a mecanismos de mercados sob tutela do governo e excluiu formas de participação política alheias ao monopólio de poder do partido.
O terceiro plenário do 18.º comité central consagrou as directivas aventadas pelo secretário-geral Xi Jinping após a sua eleição em Novembro de 2012, tendo as deliberações reafirmado, com as devidas matizes doutrinárias, o "papel decisivo" do mercado na alocação de recursos e a "função dominante" das empresas do estado.
Essencialmente, parece existir consenso sobre a necessidade, reconhecida oficialmente desde a adopção do "Plano Quinquenal 2006-2010", de reformar o modelo de desenvolvimento promovido por Deng Xiaoping a partir de 1978, ainda que as grandes linhas estratégicas permaneçam vagas.
Assimetrias sociais e regionais, envelhecimento demográfico e degradação ambiental são tidos oficialmente como factores incontornáveis que explicam o esgotamento das potencialidades das reformas do pós-maoismo – assentes, essencialmente, na liberalização das condições de produção e comercialização agrícolas e criação de sectores exportadores de escasso valor acrescentado.
O ar irrespirável de Pequim – epítome da crise ambiental que levou a medidas de emergência para tentar conter a poluição atmosférica e a delapidação dos escassos recursos hídricos e agrícolas – e protestos contra exacções de responsáveis do partido na expropriação de terras – com o seu incidente mais mediático na revolta da aldeia de Wukan, na província de Guangdong, adjacente a Macau e Hong Kong, no final de 2012 – são, entretanto, notícias impossíveis de ignorar que denotam problemas de fundo.
Sucessivas denúncias de corrupção em larga escala – culminando na condenação a prisão perpétua em Setembro do antigo membro da Comissão Política, Bo Xilai – e o irredentismo separatista entre as minorias tibetana e uigur evidenciam, por sua vez, dilemas recorrentes.
Opções complexas
Sendo axioma máximo do regime de que o monopólio político da liderança comunista é inamovível e intocável, a condição para o exercício do poder passa, contudo, pelo provimento continuado de melhorias materiais o que implica níveis de crescimento económico anuais que não podem cair abaixo dos 8% ou, na pior das hipóteses, de 7%.
Diversas propostas de reformas divulgadas parcialmente ou na totalidade antes do plenário traçam um quadro bastante complexo das difíceis opções com que se confronta a liderança comunista.
O reforço do mercado interno e a tomada de medidas para diminuição das desigualdades regionais e sociais implica rever as regras de propriedade da terra e os regulamentos de residência em vigor desde 1958.
A população migrante dos centros urbanos sem acesso a "hukou" – certificado de residência – cifra-se em cerca de 230 milhões e todas as propostas para legalização faseada traduzem-se em elevadíssimos custos de serviços sociais, mas constatam, sobretudo, o risco incomensurável de levantar limites às migrações internas numa situação de forte disparidade regional na oferta e procura de emprego.
A reforma do sistema de controlo de residência está, por seu turno, associada à revisão do regime de propriedade da terra e à política demográfica.
Na década em que o número de habitantes nas cidades da China ultrapassou pela primeira vez a população rural, liberalizar a comercialização de terras agrícolas – mesmo mantendo uma reserva agrícola mínima de 120 milhões de hectares – pode acarretar uma migração impossível de absorver pelos centros urbanos.
A inauspiciosa pirâmide demográfica não impede, ainda, que 36% dos 1 340 milhões de chineses, maioritariamente de etnia han, sujeitos à restrição de "um filho por casal", segundo as estimativas oficiais, continuem a aguardar pelo abandono de uma política imposta em 1979 e cada vez pior aceite.
A alienação de terrenos agrícolas, nominalmente propriedade comunal, continua, portanto, por definir e a "bolha imobiliária" vai entrar no quinto ano de inchaço próximo da ruptura por as autoridades locais precisarem de receitas que só podem obter por leilão de terrenos urbanos – propriedade do estado – e escassearem alternativas ao investimento de proventos individuais.
As últimas estimativas indicam que as indústrias e serviços ligados ao sector imobiliário representam cerca de 16% de um PIB avaliado em 8,5 triliões de dólares o que torna problemático insistir em restrições, como a compra de segundas habitações, apesar do preço médio de venda de residências a nível nacional ter aumentado 9% entre Setembro de 2012 e o mesmo mês deste ano, chegado a alta a 16% em Pequim, 17% em Xangai e 20% em Guangzhou, capital de Guangdong.
Tudo pelo partido em prol do povo
Os termos genéricos do anúncio feito terça-feira das conclusões do plenário revelam-se vagos quanto à eventual abolição de monopólios estatais em sectores como a energia ou telecomunicações, a reforma bancária, financiamento da administração local, ou convertibilidade plena do yuan, mas são clamorosos omissos quanto a questões políticas.
Acelerar a "edificação de um sistema judicial socialista justo, eficiente e respeitável" é das raras referência que se encontram em matéria de sistema político o que só prova como foram abandonadas anteriores promessas de maior participação popular nas deliberações, aplicação e escrutínio das actividades administrativas.
Xi, como antes Hu Jintao ou Jiang Zemin, terá de mostrar-se fiel ao princípio legado por Deng Xiaoping que não hesitou em descartar outros secretários-gerais como Hu Yaobang e Zhao Ziyang incapazes de respeitarem a ortodoxia: só a ditadura do partido poderá prover ao sustento do povo.
Até a economia claudicar ou a revolta degenerar no temido "luan" – a anarquia varrendo o poder claudicante – é este o fulcro da política chinesa.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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