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João Carlos Barradas - Jornalista 06 de Novembro de 2013 às 00:01

Os sacrificados do Kosovo

A integração da Croácia em Julho marca para já o limite do dúbio plano estratégico de integração, incluindo adesão à NATO, da Albânia e das repúblicas emergentes da dissolução da Jugoslávia, enquanto a Turquia seria deixada de fora da UE.

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A União Europeia vai ter de conformar-se a um quadro minimalista de cooperação com os estados nos Balcãs, excluindo veleidades de adesão, após o fracasso das eleições locais no Kosovo terem confirmado o irredentismo da minoria sérvia.


Os distúrbios, intimidações e violências na votação de domingo no Norte do Kosovo demonstraram o repúdio de parte significativa da população sérvia pelo acordo firmado em Abril, com mediação da UE, entre Pristina e Belgrado para normalização de relações.

O acordo de Bruxelas apesar de conceder a instituição de força policial e um tribunal de apelo autónomos consagrava na prática a dissociação de Belgrado dos quatro municípios de maioria sérvia do Norte do Kosovo.

Belgrado deixaria de sustentar "instituições paralelas", designadamente nas áreas da educação e justiça, promovendo-se, em alternativa, esquemas associativos entre os municípios a Norte, onde residem entre 40 a 50 mil sérvios, e as demais autarquias nas restantes regiões do Kosovo que contam com cerca de 80 mil sérvios.

A independência declarada em Pristina em Fevereiro de 2008 continuaria a ser contestada por Belgrado, que perdeu o controlo da província em 1999 na sequência da campanha militar da NATO, mas as duas partes comprometiam-se a não bloquear negociações para adesão à UE.

Interesses nacionais

Incongruente e liminarmente óbvio na intenção de sacrificar os sérvios do Kosovo e, também, a plena soberania de Pristina sobre a totalidade da antiga província sérvia, o acordo de Bruxelas foi justificado por albaneses kosovares e Belgrado em nome de interesses maiores de incremento de relações com a UE de forma a dinamizar economias em crise.

O acordo foi encarado como uma traição pelos sérvios do Norte do Kosovo e uma sondagem do "Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas" em Outubro indicava que nos quatro municípios somente 16% dos inquiridos declaravam intenção de votar, enquanto 44% afirmavam pretender boicotar as eleições autárquicas.

A campanha de repúdio à traição de Belgrado, associada às violências desencadeadas por militantes irredentistas, foi quanto bastou para lançar por terra o acordo promovido pelos presidente e primeiro-ministro de Belgrado, Tomislav Nicolich e Ivitsa Datchich, e os homólogos albano-kosovares Atifete Jahjaga e Hashim Thaci.

Os apelos de Belgrado a uma participação inédita nas eleições, em alegada defesa do "interesse nacional sérvio", não surtiram efeito ainda que, presentemente, seja difícil de avaliar o real apoio que os compatriotas de outras regiões do Kosovo e na Sérvia prestem aos irredentistas de Mitrovica.

Ante albaneses muçulmanos os sérvios do Norte do Kosovo irão afirmar-se como guardiães da mitologia patriótica e os primeiros sinais de que Belgrado está disposta a sacrificá-los alimentam uma resistência que perdurará durante muito tempo por mais pressões que os irredentistas de Mitrovica venham a sofrer.

O fracasso eleitoral tem, ainda, como consequência realçar a incongruência do estatuto da anómala federação da Bósnia-Herzegovina onde as comunidades croata, sérvia e muçulmana coexistem desde 1995 sob tutela internacional, essencialmente da UE, actualmente personificada pelo alto comissário de nacionalidade austríaca Valentin Inzko.

A integração da Croácia em Julho de 2013 marca para já o limite do dúbio plano estratégico de integração, incluindo adesão à NATO, da Albânia e das repúblicas emergentes da dissolução da Jugoslávia, enquanto a Turquia seria deixada de fora da UE.

A impossível plena integração dos Balcãs

Os conflitos políticos, enquadrados por conflituosas filiações identitárias étnicas e religiosas, impedem de momento conceber adesões de estados que mantêm graves litígios fronteiriços e minorias étnico-religiosas contestando soberanias administrativas.

Repetir o erro da adesão de um Chipre dividido, conforme ocorreu em 2004 para garantir o apoio grego à entrada de estados bálticos e do Centro-leste europeu, não é política recomendável.

Em Belgrado, a ponderação do que valha o sacrifício dos sérvios do Kosovo está ainda por fazer.

O acordo de Abril mostrou que na Sérvia forças à esquerda e direita estão dispostas a um compromisso formal que preserve a soberania nominal sobre o Kosovo ainda que vazia de conteúdo.

Os riscos de admissão de secessões e partilhas que a independência do Kosovo levanta justifica, por seu turno, a recusa em reconhecer Pristina por parte da Rússia (ainda que Moscovo ora apoie secessões, ora exija respeito por fronteiras soberanas no Cáucaso e na Moldova), China, Índia, Indonésia ou Brasil e as reticências de Madrid, Nicósia, Bratislava, Atenas e Bucareste.

Entre divergências de potências tutelares e distantes, urgências e temores de sérvios e albaneses, um punhado de sérvios do Kosovo acabará por ser sacrificado em prol de interesses maiores, mas o que a sua resistência possa significar está longe de se saber.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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