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João Carlos Barradas - Jornalista 09 de Outubro de 2013 às 00:01

Obama: o incumpridor

A política partidária norte-americana atingiu tal nível de acrimónia que os compromissos assumidos por um presidente sem maioria no Congresso são praticamente irrelevantes.

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O braço-de-ferro orçamental no Capitólio prova como a minoria ultraconservadora do "Partido Republicano" é capaz de paralisar a administração federal e condicionar radicalmente as opções do poder executivo. 


O esperado bloqueio do "Tea Party" a pretexto do "Obamacare", que já havia contado como um dos factores de peso para a Casa Branca evitar uma votação sobre a operação militar contra a Síria, está a ser levado aos limites desde o início deste mês, com a suspensão de serviços públicos não-essenciais, arriscando mesmo uma cisão nas hostes republicanas.

Acresce que a insensatez do senador Rand Paul e demais proponentes da tese de que os Estados Unidos poderiam optar pelo cumprimento selectivo e parcial de compromissos para reduzir despesa no caso do aumento do limite de endividamento público ficar por aprovar até dia 17 não passou despercebida a decisores políticos, financeiros e económicos.

Um compromisso para aumentar o actual valor de 16,7 triliões USD terá de ser alcançado nem que seja em cima do prazo limite, tal como aconteceu em 2011, e para tal a Casa Branca será obrigada a negociar concessões de revisão da reforma de saúde e do código fiscal o que tão pouco passará em claro nos Estados Unidos e no estrangeiro.

Chantagens e irredentismo

A suspensão da administração federal em 1995 e 1996 (21 dias espaçados entre Novembro, Dezembro e Janeiro) no confronto entre Bill Clinton e o líder da maioria republicana na Câmara de Representantes Newt Gingrich saldou-se por um fiasco político para os conservadores.

Clinton garantiu um segundo mandato em Novembro de 1996 e, desta feita, é incerto se John Boehner conseguirá conter o radicalismo do "Tea Party" de modo a evitar uma derrota nas eleições para o Congresso do próximo ano.

Negociações para redução do défice (4% do PIB este ano, enquanto a dívida pública corresponde a 73%) são incontornáveis, mas, além das incertezas financeiras e dos riscos que apresenta o adiado abandono do programa de estímulos da "Reserva Federal", um facto sobressai: a autonomia de decisão presidencial é cada vez mais posta em causa pela radicalização republicana.

O ultraconservadorismo, por vezes de veia libertária, do "Partido Republicano" confronta-se com respostas igualmente intransigentes de liberais democratas e o irredentismo político impede compromissos políticos razoáveis entre poderes executivo e legislativo.

A política partidária norte-americana atingiu tal nível de acrimónia que os compromissos assumidos por um presidente sem maioria no Congresso são praticamente irrelevantes.

O presidente e as suas prioridades

A ausência de Obama da cimeira da APEC, em Bali, no início desta semana, foi uma ilustração perfeita desta evidência.

A Casa Branca assumiu em 2010 que a Ásia seria uma prioridade da política externa, subentendendo-se que a acomodação dos interesses de uma China em acelerada expansão económica não seria feito à custa da segurança dos demais estados da região.

Os cortes orçamentais começaram a limitar a projecção do poder militar norte-americano, mas, no essencial, Obama tem-se esforçado por manter compromissos de segurança com aliados estratégicos, caso do Japão e Coreia do Sul, e prosseguindo a política de entendimento com a Índia herdada de George W. Bush.

Com a Rússia incapaz de chegar a acordo com o Japão sobre o diferendo de soberania no arquipélago das Curilhas e limitada ao fornecimento de energia para as potências económicas do Leste da Ásia, a amplitude de manobra dos Estados Unidos, provedor da segurança colectiva na região desde 1945, poderia dar-se por adquirida, mas, de facto, não é isso que acontece.

Do Vietname às Filipinas os estados em conflito com Pequim por jurisdições territoriais no Mar do Sul da China têm procurado apoio de Washington que, vinculado ao compromisso de defesa de Taiwan, procura um equilíbrio de segurança de forma a evitar confronto directo com o seu principal credor desde 2008 (a China detinha em Julho 1,28 triliões USD em obrigações, seguida pelo Japão com 1,14 triliões USD).

A APEC, criada em 1989, e reunindo presentemente 21 países que representam 55% do PIB mundial, é um dos "fora" em que Washington tenta mediar interesses contraditórios com base em objectivos de liberalização comercial, facilitação de liberdade de movimentos de pessoas e criação de infra-estruturas de interesse comum.

Os diferendos entre Pequim e a "Associação das Nações do Sudeste Asiático" (ASEAN) não impediram que o presidente Xi Jinping garantisse em Bali que a China manterá um nível crescimento (7,5% em 2013 é, agora, a meta anual aceitável para FMI, Banco Mundial e as próprias autoridades chinesas) capaz de evitar uma contracção perigosa da economia regional e mundial.

A ausência de Obama por motivos de força maior de uma cimeira, tal com sucedeu em 2012 em Vladivostok, demonstrou, uma vez mais, que a grandiloquente retórica presidencial (que em 2009 lhe garantiu um "Nobel da Paz" por declaração de intenções) deixa a desejar.

Palavras vãs

Precipitado na definição pública de prioridades e frustrado na acção, Obama, que em 2009 prometeu no Cairo retomar em novos termos que ainda estão para se ver as relações com o mundo muçulmano, vê-se envolvido em impasses no Médio Oriente, atolado em impasses em Washington, e falha compromisso atrás de compromisso.

A criação de uma "Parceria Trans-Pacífico", contraponto ao acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e a União Europeia, está a ser negociada por iniciativa de Washington há três anos entre 12 dos principais membros da APEC, excluindo deliberadamente a China.

Ante as intermináveis negociações de Doha esta "Parceria", outra prioridade de Obama, implicando complexos princípios de protecção da propriedade intelectual, segurança laboral e garantias ambientais em que países desenvolvidos como o Canadá ou a Austrália entram em conflito com os interesses da Malásia ou Vietname.

Obama faltou, uma vez mais, ao compromisso de se fazer presente para discutir e avançar, pelo mero facto da sua presença, negociações de fundo e isso nota-se e confirma como, presentemente, é inconstante e imponderável a palavra de um presidente norte-americano.


* Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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