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20 de Janeiro de 2015 às 20:12

O terror como factor eleitoral

O terrorismo do "Boko Haram" tornou-se num factor incontrolável de desestabilização da Nigéria nas vésperas da eleição presidencial.

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O exército nigeriano tem-se mostrado incapaz de deter as investidas dos islamitas  no Nordeste do país - na confluência das fronteiras com o Chade, Camarões e Níger - e garantir a segurança de populações.

 

A brutalidade do "Boko Haram", a ineficácia, a corrupção e as exacções das forças governamentais, que mobilizaram cerca de 20 mil homens para o Nordeste, redundaram numa escalada de violência.

 

Sob a liderança do emir Abubakar Shekau, o terrorismo de "Boko Haram", exacerbando a miséria na região mais pobre da Nigéria, provocou cerca de 3 mil e 500 mortes em 2014 e mais de um milhão de desalojados.

  

Uma eleição no fio da navalha

 

Devido ao conflito no Nordeste, Muhammadu Buhari, candidato da coligação "All Progessives Congress", arrisca perder largas centenas de milhares de votos entre os seus apoiantes muçulmanos numa eleição renhida contra o presidente Jonathan Goodluck.

 

A Assembleia Nacional não aprovou uma emenda à lei eleitoral, solicitada no final do ano passado pela "Comissão Eleitoral Independente", para permitir o voto de pessoas desalojadas dos seus locais de recenseamento.

 

Entre 40 a 50 milhões de nigerianos deverão participar na votação de Fevereiro, mas a insegurança nos estados de Borno, Adamawa e Yobe - que contam com cerca de 7,6 milhões de habitantes -, onde impera o estado de emergência desde Maio de 2013, deverá impedir a participação de bastantes eleitores.

 

Buhari - muçulmano fulani, primeiro dos generais a desgovernarem a Nigéria após o golpe de Dezembro de 1983 - conta com os tradicionais apoios étnico-religiosos dos estados do Norte onde predomina o islão, mas, também, com aliados cristãos no Sul animados pela escolha do jurista Yemi Osibajo, yoruba de fé evangélica, como candidato à vice-presidência.

 

Goodluck, ijaw cristão do delta do Níger, tem como parceiro o muçulmano de  Kaduna Namabi Sambo, mas dificilmente conseguirá repetir um resultado próximo dos 59% conseguidos em 2011.

 

A mais grave degradação das condições de segurança desde a restauração do governo civil em 1999 e a queda dos preços do petróleo, sector gerador de 35% do PIB e 80% das receitas orçamentais, jogam contra os candidatos do "People's Democratic Party".

 

O risco de contestação de um triunfo por escassa margem de Goodluck é bastante elevado no caso de Buhari na sua encarnação civilista falhar pela quarta vez consecutiva a eleição presidencial.

 

Um bando letal

 

Fundado em 2002 por Mohammed Yusuf na linha de tradições islamitas arreigadas no Nordeste condenando toda e qualquer forma de ocidentalização e com apoio de salafistas ligados à "Al Qaeda", "Boko Haram" visa instaurar um califado no Norte e Nordeste da Nigéria (onde reside a maioria dos muçulmanos que representam metade dos 177 milhões de habitantes da federação), além de regiões vizinhas do Níger, Camarões, Chade, Sudão e Líbia que integraram o império Borno entre os finais dos séculos XIV e XIX.

 

Os ataques islamitas a cristãos, apóstatas muçulmanos, animistas e secularistas têm vindo a agravar-se e, actualmente, partindo de bases na cadeia montanhosa de Mandara, na fronteira com os Camarões, e na floresta de Sambisa, no estado de Borno, "Boko Haram" controla os movimentos de forças rivais numa área próxima dos 30 mil quilómetros quadrados, praticamente equivalente à superfície do Alentejo.   

 

Ao invés do "Estado Islâmico" na Síria e Iraque, "Boko Haram" não estabeleceu instituições e procedimentos administrativos baseados na xaria concentrando populações em zonas economicamente auto-sustentáveis e limita-se a actos de rapina, extorsão, contrabando e tráfico de pessoas. 

 

Outro califado

 

A proclamação do califado em Gwoza, no estado de Borno, em Agosto último por Shekau - sucessor de Yusuf, abatido pelos militares nigerianos em 2009 -, surgiu como uma manifestação de força e indicia a eventual aspiração a efectivo e permanente controlo territorial e administrativo na linha do "Al Shabaab" somali ou dos jihadistas do Norte do Mali. 

 

As tácticas de intimidação passam, entretanto, por atentados bombistas (incluindo um ataque contra instalações da ONU na capital Abuja que provocou 23 mortos em Agosto de 2011) e raptos (276 raparigas numa escola de Chibok, estado de Borno, em Abril de 2014, 10 trabalhadores chineses em Waza nos Camarões, no mês seguinte, entre dezenas de incidentes).

 

Sucedem-se, ainda, chacinas e destruição de aldeias, vilas e centros urbanos de médias dimensões, a par de ofensivas contra instalações militares e policiais (caso de Baga, nas margens do Lago Chade, este mês).

 

A política de intimidação pelo terror e terra queimada do "Boko Haram" não aparenta contribuir para qualquer alternativa de poder, mas ao exacerbar as tensões entre elites políticas nigerianas está em vias de contribuir decisivamente para uma crise na Federação.

 

Jornalista

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