Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
08 de Setembro de 2015 às 19:50

O suplício do Califado   

Tal como na Síria o Califado Negro é o aríete jihadista dos sunitas e representa o apogeu de mais de uma década de mobilização guerreira no Iraque.

  • 3
  • ...

O Califado Negro, proclamado por al-Baghdadi no Verão de 2014, impôs-se como a principal força nas ofensivas jihadistas das guerras da Síria e do Iraque, forçando norte-americanos, russos, europeus e potências regionais a reverem estratégias. 

A fuga de refugiados para a UE chamou a atenção para as consequências da prolongada situação de guerra no Médio Oriente e na Líbia, agravada pela consolidação territorial em pouco mais de um ano de um estado jihadista na Mesopotâmia e Levante. 
                   

A ilusão de porto seguro na UE começou, entretanto, a animar a fuga de iraquianos e alastra até ao Afeganistão onde o exército de Cabul, um ano após a retirada das forças de combate estrangeiras, sofre baixas insustentáveis contra os talibã. 

 

O ogre e a besta

Londres e Paris passaram a assumir ataques aéreos directos, tripulados e não-tripulados, na Síria a alvos do Califado como autodefesa ante ameaças terroristas o que implica a conivência de Bashar al-Assad para não activar meios de defesa anti-aérea.

Moscovo admitiu, por sua vez, o reforço de fornecimentos de equipamento militar ao regime de al-Assad que, reconhecendo a exaustão de efectivos, tem cada vez maior dificuldade em controlar a capital e as suas posições nas cidades de Aleppo, Homs, Hama e Quneitra.

A faixa costeira de Latakia, onde os alauítas predominam, é a derradeira linha de defesa de al-Assad que abandonou os enclaves curdos do Norte e recua ante os ataques jihadistas da Jahabat Al Nusra ("Frente para a Vitória do Povo Sírio") e, sobretudo, face às investidas do Califado Negro. 

O Irão, constrangido pela diplomacia do acordo nuclear e em guerra com as monarquias sunitas do Golfo no Iémen, não tem como reforçar os contigentes militares na Síria e apela a negociações envolvendo al-Assad.

Projectos de formação de uma "terceira força" são um fracasso - uma primeira unidade de 54 homens treinada pelas forças especiais norte-americanas foi desbaratada pela al-Nusra no final de Julho ao entrar em combate - e o retomar das hostilidades entre Ancara e os curdos debilitou a cooperação militar internacional anti-jihadista.

A maior parte das minorias, incluindo druzos e cristãos, é arrastada pelo movimento de refugiados internos, cerca de 8 milhões de pessoas, e a fuga para o estrangeiro, 4,5 milhões, fazendo perigar a aliança política fomentada e liderada pelos alauítas (10% da população) desde os anos 60 e, agora, ameaçada pela avalanche sunita.

 

Um ódio imenso

No Iraque, um ano depois de Haider al-Abadi ter substituído Nouri al-Maliki na presidência, a tensão entre facções xiitas agrava-se, os curdos recusam a tutela de Bagdade, estando em vias de formar um estado autónomo, e a minoria sunita continua afastada dos centros de poder, das forças armadas, e temerosa das milícias apoiadas por Teerão.

Tal como na Síria o Califado Negro é o aríete jihadista dos sunitas e representa o apogeu de mais de uma década de mobilização guerreira no Iraque.

Desde as carnificinas encetadas após a invasão de 2003 em nome da  Al Qaeda por Abu al Zarqawi cresceu a dinâmica apolíptica anti-xiita e a posterior adesão à jihad de antigos quadros do partido Baath de Saddam Hussein acabou por criar uma entidade capaz de combinar guerra convencional, guerrilha e tácticas terroristas.

Os veteranos de Saddam contribuiram, além da experiência administrativa e repressiva, com estratégias de propaganda mais eficazes centradas na atemorização de inimigos, culto de martírio, celebração da chachina de infiéis e apóstatas, submissão de cristãos e judeus, e escravização de pagãos.

Um poder terreno

O recrutamento de novos combatentes tem vindo a colmatar as baixas em combate e as mortes provocadas por ataques aéreos, contando o Califado com 20 a 30 mil homens bem armados graças, essencialmente, à depradação de arsenais das tropas de Damasco e Bagdade.

Al Baghdadi controla efectivamente um território abarcando um terço do Iraque e outro terço da Síria, com cerca de 10 milhões de habitantes, sujeitos a uma peculiar interpretação salafista da lei islâmica que define, ademais, procedimentos administrativos, cobrança de taxas e impostos, que, juntamente com tráficos diversos e contrabando de petróleo, essencialmente através da fronteira turca, financiam o Califado.

A administração efectiva de um domínio territorial, o controlo da população e fluxos de movimentos de pessoas e bens, é uma peculiaridade do Califado Negro que entre apaniguados estrangeiros tem tentado ser reproduzida em Sirte e Derna, na Líbia.

A dimensão apocalíptica leva a que um eventual martírio do Califa esteja fadado a  a ser tido como sacríficio a galvanizar os crentes e fluxos e refluxos territoriais apenas farão vibrar a fé num combate derradeiro entre as forças do bem e do mal.

Na realidade tangível os jihadistas cerram fileiras em dois grandes núcleos de irradiação em Raqqa, na Síria, e Mosul, no Iraque, e reinam pela espada.

 

Atrás do tempo vêm tempos

A submissão das populações sunitas, tementes aos xiitas, poderá revelar-se bastante duradoura no Iraque, mas a dinâmica da guerra civil na Síria é diferente.

A partição do estado sírio, quando a exaustão dos combates marcar a hora, beneficiará por razões demográficas a maioria sunita e, nesse caso, o jihadismo talvez perca boa parte da capacidade de atracção.

De momento, a guerra campeia, demasiados interesses estão em confronto e nem russos, europeus, turcos, iranianos ou norte-americanos arriscam tropas em força no terreno para impor uma solução militar.

É ainda o tempo do suplício do Califado. 

Jornalista

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio