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07 de Junho de 2016 às 20:25

O incentivo negativo

Condicionar acordos comerciais e ajudar ao desenvolvimento para refrear emigração clandestina da África e Médio Oriente é o derradeiro expediente da Comissão Europeia.

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A estratégia da cenoura e chicote foi testada numa cimeira com líderes africanos em La Valletta, em Novembro de 2015, e claudicou, juntando-se ao fracasso na imposição de quotas para refugiados na UE e ao desmantelamento parcial do acordo de Schengen.

 

A Comissão propõe parcerias, suportadas por fundos públicos e privados, para negociação prioritária de acordos bilaterais com Jordânia, Líbano, Mali, Níger, Senegal, Nigéria e Etiópia.

 

Entre os Estados considerados na proposta apresentada terça-feira ao Parlamento Europeu, refere-se como parceiro potencial a Tunísia, enquanto se aguarda por autorização para intervir militarmente em águas territoriais da Líbia, mas não constam Eritreia, Sudão, Sudão do Sul ou Somália por ausência de entidades credíveis no poder ou pruridos à negociação com ditaduras militares.     

 

Até 2020 seriam realocados cerca de 8 mil milhões de euros, sobretudo de programas para o desenvolvimento, para um Fundo Europeu de Investimento no Exterior no montante de 31 mil milhões, até um máximo de 62 mil milhões mediante contribuições de Estados da UE e "outros parceiros", designadamente privados.

 

A versão final a apresentar no Outono calibrará os termos das participações públicas e privadas na base das garantias de risco a financiamentos previstas no Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos lançado por iniciativa de Jean-Claude Juncker em Abril de 2015.

 

Além do quadro consagrado de respeito por direitos humanos, laborais e crescimento sustentável, a Comissão pretende agregar compromissos para readmissão de emigrantes ilegais expulsos de países da UE e, sobretudo, condicionar a política comercial e de ajuda ao desenvolvimento à urgência de conter fluxos de emigrantes e refugiados.

 

A proposta levaria a negociar num único pacote quotas de vistos para emigrantes qualificados, facilidades às exportações para o mercado comunitário, financiamentos a projectos criadores de emprego, combate à desertificação ou gestão de recursos escassos de água potável.

 

As punições em vantagens comerciais e cortes de ajuda são definidas como "incentivos negativos".

 

Os resultados de 750 milhões de euros investidos em projectos financiados por 1,8 mil milhões do Fundo para África, aprovado na cimeira de Malta, estão ainda por avaliar, mas ficou clara a renitência dos Estados da UE em avançarem com dinheiro: apenas 81,8 milhões de euros, tendo Portugal contribuído com 250 mil euros.

 

Por aqui nada a esperar de bom para a nova estratégia e, a partir do momento em que o acordo com a Turquia foi apresentado como modelo (asilo a refugiado sírio por cidadão sírio recambiado a troco de 3 mil milhões de euros e isenção de vistos para turcos), a margem de manobra estreitou-se.

 

O autoritarismo de Recip Erdogan, a recusa de Estados como a Áustria ou a Hungria a aceitarem refugiados, as agruras das guerras do Levante e Afeganistão condenam ao fracasso o acordo com Ancara.

 

De resto, quando Bruxelas tenta evitar que o Quénia encerre em Novembro o campo de Dadaab que alberga cerca de 340 mil somalis, a proposta da UE parece, essencialmente, um "incentivo negativo" à inteligência política. 

 

Jornalista

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