Opinião
As duas Chinas
O presidente de Taiwan continua a confrontar-se com grandes dificuldades para implementar o acordo assinado em Junho de 2013 com a República Popular para facilitação de investimentos no sector de serviços.
Pequim e Taipé prosseguem na senda da normalização de relações em contraste com a crescente animosidade entre a República Popular da China e os seus vizinhos do Norte e Sudeste da Ásia.
Taiwan, cultivando a ficção de uma China una e indivisível, faz suas as reivindicações de Pequim no Mar do Sul da China (envolvendo ilhas reclamadas também pelo Brunei, Malásia e Vietname) e quanto a Diaoyu/Senkaku, no Mar da China Oriental, ainda que em Abril do ano passado tenha chegado a acordo com Tóquio para que a sua frota possa pescar nas águas controladas pelo Japão.
A ficção unitária
A legitimidade soberana que reclama o governo da República da China, em nome da continuidade de um regime fundado em 1911 e herdeiro da governação de Chang Kai Shek derrotado por Mao Zedong e confinado à ilha desde 1949, redunda na paradoxal situação de Taipé alinhar ao lado de Pequim nas disputas em que Washington, que cultiva a neutralidade nestes diferendos fronteiriços, é o garante militar da segurança regional frente à República Popular da China.
As duas Chinas após terem reconhecido em 1992 o "status quo" da existência real de dois regimes e governos, mas aceitando por consenso a existência de uma única China una e indivisível, aceleraram os ritmo das trocas comerciais, investimentos e circulação de pessoas, apesar de estarem ainda longe de iniciarem sequer a discussão de um tratado de paz.
O encontro em Nanjing na terça-feira entre o responsável de Taiwan do "Ministério para os Assuntos do Continente", Wang Yu Chi, e o vice-ministro dos negócios estrangeiros de Pequim e presidente do "Comité para os Assuntos de Taiwan", Zhang Zhijun, primeira reunião oficial entre os dois governos, evitou formalmente a abordagem de questões políticas.
A negociação política entre os dois lados do estreito da Formosa processa-se por via de concessões diplomáticas – caso da luz verde de Pequim este Verão a um acordo comercial entre Taiwan e a Nova Zelândia semelhante ao anteriormente assinado entre Wellington e a Região Administrativa Especial de Hong Kong – e no apoio que a República Popular vem dando a Ma Ying Jeou.
A teia económica
O presidente de Taiwan continua a confrontar-se com grandes dificuldades para implementar o acordo assinado em Junho de 2013 com a República Popular para facilitação de investimentos no sector de serviços, incluindo a área de construção, que prevê a criação de empresas com controlo por parte do investidor externo da totalidade ou maioria do capital.
A oposição do "Partido Democrático Progressista" e rivais de Ma no partido governamental "Guomindang", como Wang Jin Ping, presidente do parlamento de Taipé, criticam o acordo com Pequim apesar das empresas de Taiwan serem as imediatas beneficiárias deste compromisso.
Além do sector de serviços as facilidades e garantias para investimento deverão posteriormente ser alargadas aos sectores agrícola e industrial, na sequência de um acordo de 2010 para enquadramento da cooperação económica e eliminação de barreiras tarifárias e alfandegárias, mas largos sectores em Taiwan temem que a prazo as empresas da República Popular venham a ter um peso desmesurado na economia da ilha.
A República Popular, incluindo Hong Kong, é o maior principal destino do investimento (8,86 mil milhões de dólares em 2013) e das exportações de Taiwan e a segunda fonte de importações a seguir ao Japão, tendo os investimentos directos do continente na ilha vindo a crescer desde 2008 ainda que não tenham sequer chegado aos 400 milhões de dólares.
A democratização de Taiwan iniciada por Lee Teng Hui em 1988 levou à presidência em 2000 Chen Shui Bian do "Partido Democrático Progressista" e os nacionalistas só em 2008 recuperaram o poder.
O presidente Ma optou desde então por uma política de apaziguamento, evitando igualmente o confronto com Pequim em organizações internacionais e a compita pela diplomacia do cheque para preservar o escasso número de estados que ainda mantêm relações com Taiwan (duas dezenas além do Vaticano) depois da expulsão da ONU em 1971, e apostou decididamente na integração económica.
Os extensos vínculos económicos e financeiros entre os dois lados do Estreito da Formosa são para largos círculos conservadores e liberais em Taipé garantia de que Pequim não tentará a absorção pela força na ausência de veleidades independentistas em Taiwan.
Outras sectores consideram que uma crescente integração económica com maior presença de empresas do continente em Taiwan acabará por levar a ilha a uma situação de submissão em que os seus 23 milhões de habitantes poderão ter de aceitar um destino semelhante ao de Hong Kong e Macau.
Caso Ma, um dos presidentes mais impopulares na fase democrática de Taiwan, consiga terminar o seu mandato em 2016 é de esperar que Pequim continue a apoiar a sua política de conciliação para evitar nova investida de políticos independentistas.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
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