Opinião
O Fundo de Recuperação
O Fundo de Recuperação e sua Facilidade de Recuperação e Resiliência são instrumentos novos, necessários e urgentes. Sejamos sábios e pragmáticos no seu uso.
A recente aprovação, em reunião especial de 5 dias do Conselho Europeu, do Fundo de Recuperação europeu no valor de 750 mil milhões (bn, de billion em inglês) de euros, cerca de 4.5% do PIB da União Europeia, cria, temporariamente, um instrumento importante de combate à recessão provocada pelo coronavírus e o confinamento. Para a Europa, mas também para Portugal.
A parte mais importante do fundo, cerca de 670 bn€, será usado numa Facilidade de Recuperação e Resiliência. E, em termos práticos, será desta facilidade que virá o apoio financeiro extraordinário aos diversos países para os anos 2021 e 2022.
Para aceder a esta facilidade os países terão de submeter à Comissão Europeia, até outubro deste ano, os Planos Nacionais de Recuperação e Resiliência em que explicam as reformas e os investimentos que pretendem fazer entre 2021 e 2023.
Relembro que até outubro de cada ano os vários países da União já devem enviar o esboço do orçamento do ano seguinte à Comissão Europeia. Portugal terá assim de enviar estes dois documentos que serão certamente coerentes e consistentes entre si.
A aprovação do Fundo de Recuperação, da qual Portugal poderá receber 31.5 bn no período de 2021 a 2026 e contribuir 11.4 bn num calendário ainda por definir com rigor mas que irá até 2058, permite esperar que venha a estar disponível uma verba muito significativa nos anos 2021 a 2023 e em particular já em 2021, via Facilidade de Recuperação e Resiliência.
Neste sentido o Governo está agora na posse dos valores que lhe permitirão desenhar o Orçamento de Estado para 2021. Este será um desafio difícil e exigente, elaborado numa conjuntura de incerteza sem precedentes. Mas as restrições financeiras do Estado continuam a ser bem reais.
A tentação do Governo será usar os fundos para atividades novas e projetos socialmente mobilizadores ou politicamente populares. Mas a recessão está a destruir empregos e rendimentos no setor privado que pouco beneficiarão com a execução dos projetos mais vistosos.
Desenhar um orçamento nestas condições é extraordinariamente difícil. O Governo sabe que não tem receitas suficientes para fazer face às despesas correntes do Estado ao nível de 2019 e 2020. Os apoios ao emprego, à economia e às instituições exigirá ainda recursos adicionais significativos. O país não é apenas o Estado.
Em síntese, mesmo com o apoio da Facilidade de Recuperação e Resiliência e um défice público elevado em 2021 não será possível manter todas as despesas. Qual o critério que o Governo usará para racionar os recursos disponíveis?
Acresce que alguns setores, como por exemplo o turismo e atividades relacionadas, necessitam de um apoio superior aos demais, e também de forma mais prolongada no tempo. A perda de rendimentos nestes setores não resulta de gestão ou estratégia empresarial privada deficiente, mas devido ao choque exógeno do confinamento e da pandemia. Porém, o turismo não se encaixa na linguagem da União Europeia que valoriza acima de tudo os temas da sustentabilidade ambiental e da transição digital.
Em Portugal deveríamos preparar o Plano de Recuperação e Resiliência 2021-2023 com a missão de preservar o máximo de capacidade produtiva nos próximos dois anos. Centrado no que temos agora e não nos amanhãs que cantam. Nesse sentido o desenho dos apoios deveria ser transversal a todas as atividades económicas e não privilegiar, oportunisticamente, setores, indústrias ou tecnologias. A exceção à regra da transversalidade seria a dimensão e duração setorial do choque. Assim se é consensual que o choque é mais forte e prolongado no turismo este deverá ser mais apoiado.
Veremos se o Governo opta por cultivar os seus projetos preferidos distribuídos aos grupos de interesse mais poderosos ou se ajuda a sociedade a lidar com um choque económico sem precedentes e para o qual não estávamos preparados em termos de capital, instituições e pessoas.
Um Plano pragmático e técnico será mais fácil de consensualizar do que um documento visionário e ideologicamente marcado.
O Fundo de Recuperação e sua Facilidade de Recuperação e Resiliência são instrumentos novos, necessários e urgentes. Sejamos sábios e pragmáticos no seu uso.