Opinião
Sobreviva às férias
Há pouca coisa que corroa mais uma relação, do que ver o outro hipnotizado por um ecrã, a dedilhar furiosamente mensagens, ou a partilhar histericamente detalhes, como se valorizasse mais as pessoas que não estão ali.
Quem vive do negócio das férias, deve saltar esta página. Decididamente este texto não é para eles. Mas se o leitor faz parte dos mais de 70% dos portugueses que, felizmente, está a preparar a mala para partir, se calhar vale a pena espreitar este artigo: baixar as expectativas é meio caminho andado para que as próximas semanas corram bem.
Sabe aquelas pessoas que dizem que os filhos fortalecem os casamentos, sem noção nenhuma do efeito que tem numa relação a tortura do sono, o Deve e Haver que inevitavelmente se instala - "vai lá tu, que da última vez fui eu!"? Pois serão provavelmente as mesmas que lhe vão garantir que as férias são boas para o casal e para a família, com relatos maravilhosos de pores de sol na praia, e de pais e filhos reunidos em redor de um pequeno-almoço, daqueles que só existem nas telenovelas mexicanas (na vida real será você que o terá de preparar, e os seus adolescentes estarão ferrados a dormir a essa hora).
Por isso, o meu primeiro conselho, é que as ignore, da mesma forma que deve ignorar os anúncios de resorts com palmeiras a brilhar no ecrã dos computadores, idem aspas para os storys dos instagrams dos outros, tiradas nos milésimos de segundos em que as crianças sorriam e os mosquitos não mordiam.
O segundo conselho é que não se fie na memória, numa nostalgia dos tempos que nunca foram, porque o nosso cérebro apaga as coisas desagradáveis, retendo apenas as melhores. Ou seja, manda para a terra do nunca a recordação das pilhas de loiça que lavou, enquanto o resto da trupe foi para a praia, a canalização que entupiu, ou as discussões dos vizinhos que lhe infernizaram o descanso.
Posto isto, não invente para já uma chamada urgente do escritório, nem alegue a exigência de um patrão que não suporta que "vá a banhos" enquanto lhe continua a pagar o ordenado - como conheci! -, optando antes por prevenir as armadilhas que podem arruinar estes dias. Ficam aqui as minhas, com sorte também lhe servem.
1. O biorritmo. No dia a dia, noctívagos e madrugadores entendem-se, porque o despertador infelizmente toca para todos. Mas se tudo o que um ambiciona nas férias é dormir até tarde, e o outro está pronto para a praia de madrugada, é fácil ver sarilhos no horizonte. Sarilhos aspas, aspas, quando um quiser sair à noite, e o outro se recusar a sair do sofá.
2. Areia, loiça, tachos e panelas. Com ou sem filhos, pré-estabeleça as tarefas que cabem a cada um. Mas se tem o complexo de fada do lar, ou uma obsessão por limpezas e arrumações, faça um favor a todos e fique em casa sozinho/a com o seu espanador porque pode não gostar de o ouvir, mas garanto-lhe que é muito mais perigoso/a para a saúde da sua família do que todas as bactérias juntas.
3. Telemóveis. Há pouca coisa que corroa mais uma relação, do que ver o outro hipnotizado por um ecrã, a dedilhar furiosamente mensagens, ou a partilhar histericamente detalhes, como se valorizasse mais as pessoas que não estão ali, do que as que tiveram a bondade de vir passar férias com elas. Se quer mesmo trabalhar umas horas, porque precisa ou porque gosta (é o meu caso), marque o horário em que o vai fazer.
4. Compacto Educação. Quando está em modo intensivo com os seus filhos, ou parceiro/a, provavelmente vê-lhes defeitos que escapam na correria de todos os dias. A tentação de transformar as férias num worskshop de reeducação é enorme, mas resista. Não é bom para ninguém.
5. Tempo sozinho. Se é daquelas pessoas que precisa de tempo para si para manter a saúde mental, explique-o de antemão, evitando mal entendidos. Mas não ceda, porque a fatura é demasiado alta, para si, e para os outros.
6. Nos momentos de maior desespero, use um truque: projete-se no primeiro dia de trabalho. Resulta sempre.
Jornalista