Opinião
"Quando o jantar não está pronto, passo-me!"
Donald Trump dixit: uma mulher empregada é um perigo, ou não fosse o lugar delas em casa a tomar conta dos filhos. Suspeito que em Portugal já era presidente.
Cá para mim o Presidente dos EUA deveria ser eleito por sufrágio universal, sendo que o meu entendimento de universal é o de cada habitante do universo um voto. Incluindo, obviamente os habitantes da Lua, onde flutua ao vento a bandeira americana e o ET, por maioria de razão. Os pressupostos para que assim fosse são claros, e os americanos deveriam ser os primeiros a subscrevê-los já que constantemente deixam claro que as decisões tomadas em Washington nos dizem respeito a todos. Afinal, não lhes basta carregar num botão para irmos pelos ares? Mas, se sempre pensei assim, agora que Donald Trump ameaça ocupar o cargo, a questão reveste-se de toda a urgência.
Mas a minha urgência não é a deles, eu sei, e Novembro está já aí, por isso só podemos fazer figas e acompanhar empenhadamente os norte-americanos que procuram desesperadamente encontrar uma forma de o travar. A esperança agora está nas mulheres, escreve a revista Time, que como toda a gente sabe são sempre um reduto de bom senso, acrescento eu. Logo para começar sabem o que custou a ganhar o voto e por isso exercem-no 10% mais do que os homens e, depois, reagem mal a quem deseja cercear-lhes direitos e conquistas. Trump tem consciência de que terá de fazer marcha atrás nalgumas das suas afirmações, nomeadamente em relação à contraceção e ao aborto, mas é difícil fazer esquecer décadas de comentários chauvinistas e de mau gosto - quem apresenta a própria filha em público dizendo que é "boa como o milho", ou que "se não fosse filha, se calhar andava com ela..." tem dificuldade, de facto, em apagar a imagem de misógino. Sobretudo quando a comunicação social está empenhada em recordar. O New York Times fez-lhe o (des)favor de entrevistar 50 mulheres que trabalharam com ele e já é viral um anúncio em que mulheres leem frases sexistas do candidato, lembrando que é assim que fala "das nossas mães, das nossas irmãs, das nossas filhas".
Mas o "baú dos tesourinhos" ainda promete. Esta semana surgiu uma entrevista que deu à ABC, em 1994, em que declara que é um perigo as esposas trabalharem, e referindo-se à sua segunda mulher (teve três) declara: "Há dias em que (...) chego a casa e o jantar não está pronto, e passo-me completamente." Seguiu-se a revelação de mais uma pérola: "Gosto de crianças, mas não cuido delas. Forneço os fundos e a mãe que o faça!"
Pensar que os EUA podem ter um Presidente assim assusta. Mas o que o êxito de Trump tem revelado é que há nos EUA muita gente que pensa como ele. E em Portugal? Se calhar também. Não digo matar porque o jantar não está na mesa, como fez António Santos que, em 2014, se justificou ao tribunal dizendo "ela vinha mais tarde fazer o comer, às vezes não fazia o jantar", mas quantos não votariam num candidato que dissesse que o lugar das mulheres é em casa? Absurdo? Devia ser, mas os dados do Inquérito à Fecundidade 2013 apontam para um duplo padrão que faz pensar. A maioria dos portugueses, eles e elas, considera que quando há uma criança pequena (até aos 6 anos) as mães ou não deviam trabalhar fora ou só o deviam fazer a tempo parcial. Contudo, quando é o pai que está em causa, cerca de 70% consideram que a tempo inteiro o único sítio onde um homem deve estar é no emprego. Pior: para 36% das mulheres e 46% dos homens, as crianças são prejudicadas pelas mães empregadas e, se a idade dos inquiridos se aproximar da de Donald Trump, a grande maioria está segura de que as crianças sofrem com esta situação. Decididamente esperemos que nenhum dos nossos Trumps concorra a posto algum.
Jornalista
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico