Opinião
Provocações em torno dos jovens
Muitos jovens não gostam da escola - objetivamente, a maioria de nós não gostou. Dizem que a escola é uma seca, o que não admira muito. Já é quase slogan afirmar que quando se põem miúdos do século XXI em escolas do século XIX é o que dá.
Este é um artigo leviano e provocador. Compara estatísticas que não resultam dos mesmos estudos, faz generalizações e suposições. Baralha e volta a dar, mas espero que obrigue a pensar para lá das ideias feitas.
O ponto de partida é a constatação antiga de que os adultos muitas vezes parecem aqueles exploradores da National Geographic que se escondem atrás de umas folhas de palmeira para observar os hábitos dos animais selvagens. Camuflados, comentam os vícios dos adolescentes, como se pertencessem a uma outra espécie. Como se a nova geração não fosse, em grande medida, apenas um reflexo da sua.
A divulgação do relatório dos comportamentos e hábitos de saúde dos estudantes do 6º/8ª/10ª ano, o incontornável HBSC, desenvolvido em colaboração com a OMS e coordenado em Portugal por Margarida Gaspar de Matos e a sua equipa, desencadeou nas últimas semanas comentários de horror e espanto, do estilo " O que será deles?".
O que será, de facto. Tristemente, é bem provável que fiquem iguais a nós. Ora veja:
- Muitos jovens não gostam da escola - objetivamente, a maioria de nós não gostou. Dizem que a escola é uma seca, o que não admira muito. Já é quase slogan afirmar que quando se põem miúdos do século XXI em escolas do século XIX é o que dá, mas não deixa por isso de ser verdade. Mas, sinceramente, como podem gostar, se os adultos que lá andam a odeiam? E se queixam dentro e fora de porta todos os dias. São 30 jovens em 100 a dizer que não gostam da escola, mas são 90% os professores que não se sentem valorizados, segundo o Education at a Glance. E esses nem sequer gostam do recreio!
- São quase 60% a queixar-se amargamente da comida dos refeitórios, fazendo coro com os pais, enquanto uma percentagem que nos envergonha se queixa de chegar à escola com fome. Parece-me bem que a qualidade melhore, mas talvez não fosse pior lembrar-lhes a sorte que têm em ter comida no prato, ainda por cima praticamente a custo zero. E já agora, pedia-se menos cobertura mediática à lagarta encontrada na maçã, aliás prova maior de que amadureceu sem pesticidas.
- Aos 14 anos a grande maioria não consome álcool, nem drogas, nem fuma, nem iniciou uma vida sexual ativa. Ótimas notícias. A discussão com os pais é maioritariamente pelo uso constante do telemóvel e ecrãs, em que declaram passar, pelo menos duas horas e meia por dia. Cerca de 20% confessa que se sente positivamente mal quando o impedem de ter acesso às redes sociais, e são 20% os que juram que não conseguem pensar em mais nada até lhes ser dado novamente acesso às mesmas. Quem quer a aposta que os adultos que os rodeiam, fazem e sentem exatamente o mesmo? Acuso-me já, para não diga que o faço apenas aos outros.
- A falta de envolvimento e interesse no que os rodeia mereceu provocou escândalo. E bem. É chocante que 47% considere pouco provável envolver-se em voluntariado e/ou trabalho ligado à sua comunidade, 67% indique não haver probabilidade de participar num grupo de jovens, 52% diga que não acha provável ler um jornal para se informar, e 47% afirme ser improvável falar com os pais ou amigos sobre assuntos políticos ou sociais. Espere, há mais: 40% considera muito difícil falar a um desconhecido. Assustador. Mas vamos às estatísticas dos adultos. Segundo o INE, em 2012 eram apenas 12% os portugueses que alguma vez na vida - note bem - participaram em pelo menos uma ação de voluntariado. Na base de dados da Fundação Manuel dos Santos descobre-se, ainda, a indicação de que pouco mais de 50% participa em atividades sociais, só 2% pertence a associações profissionais, e 4% está sindicalizado. E a maioria dos portugueses desconfia das outras pessoas. Obrigada Professora Margarida Gaspar de Matos, por nos ajudar a olhar ao espelho.
Jornalista