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Pague e não se fala mais nisso

Santos Silva deu uma boa notícia aos contribuintes e empresários: caso sejam apanhados, basta pagar o montante em dívida e... não se fala mais nisso. 

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A história mais divertida desta última semana foi a dos nossos governantes apanhados com a boca na botija por terem ido a terras de França ver a bola à pala.

 

Foi mesmo azar. A coisa até tinha corrido de favor e nunca lhes deve ter passado pela cabeça que aquele gesto patriótico que abnegadamente cometeram com sacrifício pessoal, saindo do conforto do lar e afastando-se da amantíssima família, acabasse numa bronca deste calibre.

 

Que diabo, então se o Presidente Marcelo e o chefe Costa rodopiavam constantemente entre Lisboa e Paris para dar força à Seleção e cumprir o desígnio quase divino de trazer a taça para casa, numa epopeia que só encontra par nos navegadores quinhentistas, então qual era o problema de reforçarem a claque? E se isto podia ser feito a convite de uma empresa amiga, poupando o depauperado erário público, melhor ainda. Afinal, não é o que toda a gente anda a pedir?

 

Com o que não contaram foi com o efeito devastador das paletes de leis, decretos, normas, regulamentos, despachos e complicações várias com que os políticos do seu e dos outros partidos se têm entretido a despejar para cima dos desgraçados dos cidadãos, numa fúria incessante de tudo regulamentar, condicionar, orientar e definir. Ou seja, foram apanhados na teia que eles próprios teceram e devem ainda andar por aí estonteados sem perceber muito bem as ofensas que cometeram.

 

Na verdade, a grande falha que lhes deve ser apontada não é a da viagenzinha à conta da Galp, mas a completa impreparação política que revelaram ao não antecipar que a coisa iria ser vasculhada até ao tutano pelo jornalismo justiceiro que prevalece. Se alguma razão pode assistir aos que lhes reclamam as cabeças é o do desconhecimento do país em que vivem, o que abona pouco sobre a sua capacidade de tomar decisões públicas.

 

Mas a cereja no topo do bolo foi o remate do vice-primeiro-ministro Santos Silva, perfeitamente ao nível daqueles cantos mágicos marcados pelo Quaresma em noites inspiradas.

 

O senhor na ansiedade de salvar as cabeças ameaçadas e, sobretudo, a honra do convento, sacou da cartola aquela retórica imbatível que ficará seguramente nos anais da História e que se pode resumir assim: realmente houve ali um pequeno deslize, mas não foi por mal e então os tipos pagam o que lhes foi oferecido, fica tudo bem e não se fala mais disso.

 

Imagino a cara de espanto, mas também de enorme contentamento com que esta visão da coisa está a ser recebida pelos contribuintes em geral e os empresários e gestores em particular.

 

Num país onde a máquina fiscal é completamente implacável sobre qualquer desgraçado que se atrase um minuto que seja sobre a data de entrega do IVA ou do IRS, e que apanha pela medida grossa com coimas e multas de calibre - mesmo tendo pago tudo até ao último tostão - vem agora o supremo governante em exercício esclarecer que desde que a dívida seja saldada há absolvição do pecado.

 

O alcance deste normativo agora superiormente instituído é de uma dimensão incomensurável. Processos que se arrastam em tribunal contra gente que se atrasou em arrumar as contas ou se esqueceu de quanto devia vão certamente ter como destino o arquivamento imediato. Casos mediáticos como o do engenheiro Sócrates vão dispensar sequer a tal acusação que está a ser cozinhada vai para uns módicos três anos, uma vez que o próprio já declarou a sua intenção de pagar tudo o que o amigo lhe emprestou. Para todos estes e muitos mais, bastará agora repetir a frase do vice-ministro Santos Silva: "O caso está encerrado."

 

Jornalista

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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