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O preconceito contra os livros nas "mercearias"

O nosso jornalismo, por vezes, é mesmo provinciano. Dentro de portas a literatura não é coisa de "mercearia", mas enchem-se páginas com os Costa Book Awards. Decididamente é "absolutamente diferente" vender cafés em Londres ou em Loures!

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Durante quatro anos, fiz parte do júri de texto do Prémio de Literatura Infantil do Pingo Doce, missão que chegou agora ao fim.

 

Foi uma honra. Graças ao prémio, quatro escritores e quatro ilustradores, até aí sem obra publicada, viram os seus originais selecionados entre milhares de candidaturas, a sua criatividade transformada em livro, recebendo por cima um cheque de 25 mil euros. Quantia que torna possível que os premiados invistam na sua formação nestas áreas e se dediquem àquilo de que realmente gostam, tornando a escrita e a ilustração o centro das suas vidas - como tantos escritores e ilustradores "profissionais" ambicionavam.

 

Mais ainda, o prémio abre os holofotes sobre a literatura infantil, tantas vezes considerada em Portugal um género menor, ou tristemente reduzida a umas patranhas delico-doces, invariavelmente pseudopedagógicas, exceção feita, evidentemente, aos magníficos escritores que obviamente temos.

 

Mas o prémio é apenas a ponta do icebergue. Há mais de uma década que o Pingo Doce promove a literatura entre as crianças e jovens, tendo já lançado 370 livros. E a verdade é que quando se põem no mercado livros infantis a um preço acessível (3,99€ custa, por exemplo, o livro premiado), muitas vezes em lugares do país onde não há uma livraria, os pais compram. O resultado deste esforço está à vista e merece ser celebrado: só este ano venderam-se mais de meio milhão de livros infanto-juvenis nas lojas do Pingo Doce, um aumento de dois dígitos em relação ao ano anterior.

 

Face a isto esperava-se, no mínimo, que tanto a notícia da existência do prémio como a notícia dos resultados finais tivessem grande destaque na comunicação social, mas o que tenho observado é, por regra, desinteresse. Inclusive pelos autores e pelas obras vencedoras que, aparentemente, poucos jornalistas da especialidade querem conhecer. Como se não fosse o maior prémio de literatura infantil do país, como se não andássemos da boca para fora a repetir, incessantemente, que Portugal não é generoso com os seus talentos, e a choramingarmo-nos que não se lê e não se fomenta a leitura.

 

Não tenho dúvida de que o problema reside em ser uma empresa a promover literatura, num país ainda, por vezes, demasiado provinciano. Em menos de nada vem imediatamente ao de cima o preconceito e a snobeira intelectual, a que subjaz a ideia de que a verdadeira literatura não tem lugar nas prateleiras das "mercearias". Pelo menos nas nossas, porque os críticos literários e jornais de referência nacionais empolgam-se com os Costa Book Awards, criados pela cadeia alimentar do mesmo nome. Justificam-no certamente com o argumento de que, como diriam os Monty Python, é uma coisa absolutamente diferente vender cafés em Londres ou em Loures!

Foi por tudo isto que há dias, em plena plataforma da Estação do Rossio onde decorreu a cerimónia de entrega do prémio aos autores de "Há Monstros no Túnel" (que é mesmo muito bom!), me espantei com a lucidez do discurso de Teresa Calçada, comissária do Plano Nacional de Leitura. Sem rodriguinhos, deu os parabéns ao Pingo Doce pela iniciativa do prémio, elogiando a forma como assumiu "o papel social que uma empresa pode e deve ter na sociedade, nomeadamente no desenvolvimento e valorização da leitura". Elogiou o facto de os livros serem postos à venda no sítio onde estão as famílias, "junto dos bens de primeira necessidade". Porque é exatamente isso que um livro é. E serão estas centenas de milhares de crianças que, a cada ano, tiveram acesso a um bom livro na caixa de um supermercado que enterrarão de vez os velhos do Restelo.

 

Jornalista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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