Opinião
O absurdo da “vida para lá do trabalho”
Talvez a ideia do trabalho-prisão seja verdadeira para algumas pessoas, mas espero que não para a maioria. Da mesma forma que tenho a certeza de que há quem, não tendo nada para lá do trabalho, não sinta prazer nenhum no tempo que passa fora dele.
A revista Time publicou um artigo genial sobre a conciliação entre trabalho e vida pessoal, e o equilíbrio que supostamente devíamos conseguir entre ambos. Desculpem, esqueçam o termo conciliação, porque o texto é exatamente contra essa ideia antiquada e bolorenta de que o trabalho é uma cruz que se carrega penosamente, para ganhar o suficiente para depois, então, podermos gozar realmente a vida. Como se, quando picássemos o ponto, puséssemos a nossa existência em suspenso, e o conta-quilómetros das coisas boas só começasse a contar a partir daí. Protestam, também, contra o mito de que a vida familiar, os amigos e os tempos livres são um paraíso, onde não há altos e baixos, e de que nunca queremos fugir.
Talvez a ideia do trabalho-prisão seja verdadeira para algumas pessoas, mas espero que não para a maioria. Da mesma forma que tenho a certeza de que há quem, não tendo nada para lá do trabalho, não sinta prazer nenhum no tempo que passa fora dele.
A mim soa-me um bocadinho como aquela dicotomia entre corpo e alma, ou como aqueles comentários dos pseudointelectuais que querem à força dividir o que lemos entre os livros que determinam que valem a pena e aqueles que mais valia não gastarmos as pestanas a devorar.
Por isso o artigo de Marcus Buckingham e Ashley Goodall soube-me bem. Porque garantem que bom, bom, é conseguirmos ser nós mesmos em qualquer um destes lugares, tirando o máximo partido de cada um deles, num contínuo de experiências que se enriquecem umas às outras. Propõe que pensemos nas atividades todas que fazemos como fios, alguns pretos, alguns cinzentos, outros brancos. A que somamos os feitos de um pó mágico, aqueles que representam as tarefas que antecipamos com prazer, que nos envolvem de tal forma que perdemos a noção de tempo, e nos deixam com uma sensação de profunda satisfação. "Estes são os seus fios encarnados, e um estudo da Mayo Clinic sugere que, por exemplo, os médicos que tecem a sua vida com pelo menos 20% de fios encarnados, têm muito menos probabilidade de experimentar ‘burnout’", escrevem.
E como é que cada um de nós pode descobrir quais são os seus fios mais importantes no mundo do trabalho? Os autores sugerem que dedique uma semana a descobri-los. Ande sempre com um bloco em que desenhou uma coluna do "gosto" e uma do "odeio", e assinale em tempo real as coisas que vão para um lado e as que vão para o outro. Quando chegar a sexta-feira, a grelha está feita, e o passo seguinte, garantem, torna-se evidente. Porque, dizem, "As categorias que mais nos ajudam não são ‘trabalho’ e ‘vida’. Não são essas que nos devemos esforçar por equilibrar. Troque-as antes pelas categorias ‘amo’ e ‘odeio’. O nosso objetivo devia ser, aos poucos, semana a semana, desequilibrar o nosso trabalho, de forma a aproximarmo-nos das primeiras e a fugirmos das segundas." O desafio está lançado.
PS - Se quiser espreitar o artigo, está aqui: https://time.com/5601671/work-life-balance-advice-love-loathe/
Jornalista