Opinião
Evitar a bancarrota emocional
Para aqueles que odeiam o Natal, ou bancam a totalidade das suas fichas a 24 e 25, para mais uma vez chegarem ao final destes dias vazios e desiludidos.
Felizmente há o Google. Uma pesquisa rápida permite às pessoas que não sentem, nem pensam como (imaginam) que as outras pessoas sentem e pensam, a perceberem-se menos sozinhas. Se é daqueles que não gosta do Natal, odeia as luzes e a alegria esfusiante dos cânticos, e só a ideia das reuniões familiares lhe suga toda a energia ou, até sendo um aficionado da coisa, acaba sempre desiludido, talvez o ajude navegar entre estudos e estatísticas que garantem que o fenómeno é bem real. Tem, aliás, um nome:
“Síndrome das Festas”, termo cunhado, em 1955, pelo psiquiatra e psicanalista, James Cattell, para descrever a sintomatologia que muita (e muita) gente revela nas semanas entre o Thanksgiving, o dia de Ação de Graças, e os primeiros dias de Janeiro. Reconhece os sintomas? Ansiedade difusa, sentimento de desilusão, irritabilidade, nostalgia, ruminação amarga sobre experiências negativas do passado, depressão e, ainda, um estranho e frustrante desejo de que todos os problemas se resolvam como que por magia.
Pois é, parece um bocadinho triste falar de tudo isto praticamente na véspera de Natal, ainda mais num ano em que estamos separados por uma pandemia e somos incitados a trocar compotas no vão da escada, mas se calhar é importante. Porque nada deve ser mais duro do que ser rotulado de mimado ou amuadinho, como se fosse tudo uma questão de força de vontade ou de “querer muito”, quando nem o próprio sabe porque foi de novo engolido pela escuridão. E, convenhamos, também é incrivelmente difícil para a família que abana e sacode o seu “Grinch”, desesperada por soltá-lo do peso que o puxa para o fundo, lutando, simultaneamente, para não se deixar contagiar por aquela tristeza.
À primeira vista parece tudo um problema de expetativas. E de engano. Deixam-se encadear pela publicidade das famílias perfeitas, pelas imagens de alegria transbordante, e depois tudo fica aquém. Ou bancam a totalidade das suas fichas a 24 e 25, para mais uma vez chegarem ao final destes dias em bancarrota emocional e financeira. Os outros não reconheceram o esforço imenso investido na cozinha, nos presentes, na decoração, e também não foram capazes de adivinhar os seus desejos mais escondidos, despachando-os com um presente que não lhes diz nada, nem os surpreendeu. Não sabem racionalmente explicar porque é que, sendo adultos, sentem uma desilusão infantil, teimam em negar que estão perturbados, perante si mesmos e os outros, mas quem os conhece percebe o desalento que os toma.
À primeira vista. Mas as razões verdadeiras são seguramente mais profundas, um acumular de desencontros e mágoas, de perdas e lutos, que tornam tão difícil celebrar aquilo que o Natal devia ser: a certeza de que somos amados incondicionalmente e merecedores, mais uma vez, de uma oportunidade novinha em folha.
Pela minha parte, queria tanto que não se conformassem com essa desilusão, tantas vezes inconfessada ou atribuída a terceiros, que acreditassem que a solidão que sentem pode ser superada. Queria tanto que oferecessem a si mesmos o presente de que realmente precisam: a ajuda de um bom psicoterapeuta, que lhes permita conhecerem-se melhor, revisitar feridas antigas, arrumando-se por dentro. Porque a psicoterapia não é nem para loucos, nem para pieguinhas, mas para quem não desistiu de encontrar a melhor versão de si próprio.