Opinião
Beber à saúde do patrão com coca-cola
Nos EUA, o álcool passou a ser proibido em mais de metade das festas de Natal das empresas. Tudo para evitar "contactos sexuais inapropriados entre os empregados".
A Challenger, Gray & Christmas Inc., uma empresa norte-americana de recursos humanos, acaba de publicar um relatório sobre o estado das festas de Natal de empresas nos EUA. O facto é já de si extraordinário, mas mais espantoso se torna quando espreitamos o seu conteúdo. Segundo relatam, este ano os convívios natalícios de bar aberto estão em vias de extinção, decrescendo para 48% as festas que incluem qualquer tipo de consumo de álcool, percentagem que tem vindo sempre a descer nos últimos dez anos. Ou seja, já nem se bebe à saúde do patrão, exceto se for com coca-cola, evidentemente.
A explicação não está na necessidade de cortar custos, até porque a maior parte dos inquiridos afirma que este foi um ano de prosperidade económica, mas nas cenas tristes que os funcionários fazem mal o álcool lhes corre nas veias. Contudo, ao contrário do que se poderia supor, não é o insulto ao chefe que a língua mais solta poderia proporcionar, nem sequer o desabafo contra o cretino do colega, mas - isso mesmo - o pecado de todos os pecados do momento, o assédio sexual. Não é por isso de admirar que os "contactos sexuais inapropriados entre empregados" sejam o motivo mais apontado para a instituição da lei seca, com 11% das empresas a alegar que a luxúria que resultava da alegria natalícia os levou mesmo a desistir completamente dos festejos. Segundo o senhor Challenger, vice-presidente da empresa, "os empregadores estão atualmente muito preocupados com a possibilidade de se criar um ambiente em que estas situações possam ocorrer". E acrescenta: "O clima atual, felizmente, é de apoio às vítimas de assédio sexual, daí que os departamentos de Recursos Humanos pretendam assegurar-se de que os trabalhadores gozam umas festas felizes, sem experiências perturbadoras que podem arruinar a harmonia da quadra."
O primeiro impulso é dizer que estão loucos. Que Donald Trump é só a ponta do icebergue. Mas basta uma pesquisa no Google que contenha "festa de Natal da empresa" para confirmar que estão todos loucos, empregadores e empregados. De facto, o primeiro aviso que surge em todas as notícias é sempre o mesmo: "Cuidado, não beba demais."
Há quem cite, inclusivamente, pesquisas que supostamente revelam coisas tão extraordinárias como ser "humanamente impossível resistir a um bar aberto". Ou seja, que perante uma garrafa somos todos umas bestas.
Decididamente o mundo é um lugar perigoso. Por um lado, está aberta a caça às bruxas, em que qualquer gesto ou contacto físico pode levar ao banco dos réus, mas, por outro, damos por nós frente a uma turba de alcoólicos funcionais, que precisam da bebida como bengala do seu desempenho social. Gente que das 9h às 17h se comporta de forma civilizada, mas que ao tilintar de um copo se transmuta; malta que passa 364 dias respeitosamente sentada ao lado dos colegas, mas que sob o efeito das iluminações de Natal não responde por si.
Interessante era descobrir se este regime de policiamento de costumes leva a uma contenção que, por não ser realmente interiorizada, explode à primeira oportunidade, ou se, pelo contrário, levámos longe demais a tolerância para com os "bêbados", que não aprendem assim a conhecer os seus próprios limites. Porque, afinal, a tese de que bebem para aturar quem os desespera no trabalho não colhe, já que o crime, ao que parece, é quererem levá-los para casa.
Jornalista
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico