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A difícil arte de saber escutar

Não é nada fácil escutarmos as outras pessoas como elas merecem ser escutadas. Ouvir o que nos dizem, valorizando as palavras para lá do que significam no dicionário, sem as interromper constantemente, mesmo que seja para oferecer os mais generosos conselhos ou sugestões.

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Na verdade, é como se só tivéssemos dois modos: ligados, exigindo ter uma palavra a dizer, ou desligados, fingindo uma atenção que, muitas vezes, não é mais do que uma espera impaciente pela nossa vez de falar (e que rapidamente se desmascara pelo irreprimível gesto de estendermos a mão para o telemóvel).

Mas, mesmo quando estamos “ligados” e até queremos muito acolher o outro, é fácil metermos a pata na poça. Provavelmente porque desvalorizamos o bem que faz à alma e a forma como ajuda a arrumar a cabeça, o simples ato de pôr para fora o que nos vai cá dentro. Enquanto ouvintes partimos do princípio de que aquele que se nos “confessa” vem em busca de soluções, o que pode não ser o caso. E, de qualquer forma, as soluções só são eficazes quando é o próprio a formulá-las. Mesmo que os eurekas aconteçam enquanto conversa connosco.

É claro que não somos profissionais da escuta, mas ganhávamos em aprender com eles a evitar erros de aprendizes de feiticeiro. Dizem os entendidos, que estas quatro são as falhas mais comuns.

# Apressarmo-nos a dizer “Ah, isso também me aconteceu.” Queremos mostrar empatia, dizer-lhe que já passámos por aquilo e sobrevivemos, mas o outro sente é que aquilo que está a viver é, de certa forma, “um lugar-comum”. E o pior é que, muitas vezes, nem o deixámos falar o tempo suficiente para percebermos que 1) afinal não nos aconteceu nada daquilo e 2) se aconteceu, não teve um impacto semelhante.

O que devíamos fazer: ouvir até ao fim e resistir a concorrer com a nossa história. Só dizer que passámos por isso, se passámos mesmo. Preferir perguntas curtas e incisivas, destinadas apenas a clarificar a narrativa.

# Ficamos tão aflitos com a tristeza do outro, com o seu desconsolo, que não resistimos a pôr um penso rápido na ferida, sob a forma de um conselho ou sugestão, do estilo faz assim ou faz assado. Quando o outro não faz o que lhe sugerimos, ou reage irritado, sentimo-nos magoados e retraímo-nos.

O que devíamos fazer: controlar a nossa própria ansiedade, que só quer que o sofrimento acabe, até porque nos contagia. Resistir à omnipotência, à ilusão de que se nos empenharmos muito conseguimos resolver todos os problemas e lutos. Não vai acontecer.

# Aguentar o silêncio. Esta é das mais difíceis. Quando o outro se cala, mesmo que por momentos, sentimos a obrigação de preencher o “buraco negro” que imaginamos estar instalado. E desatamos a falar, mesmo que não nos apeteça nada.

O que devíamos fazer: os profissionais destas coisas sabem bem que o silêncio provoca revelações inesperadas (até para o próprio). Acompanhado, com espaço para se exprimir, é capaz de levar o raciocínio mais longe, elaborar sentimentos, arriscar hipóteses. Por isso tente ficar calado pelo menos uns segundos (que parecem uma eternidade), para ver no que dá...

# Devolver as perguntas. É provável que o outro se sinta, a certa altura, na obrigação de nos pedir uma opinião. É fácil agarrar a oportunidade e tornar a conversa sobre nós. Ou aproveitar para lhe fazer um “sermão”, inflamando-nos com a justeza das nossas próprias palavras.

O que devíamos fazer: resistir à lisonja. Dar uma resposta curta e devolver-lhe a palavra, sossegando-o: há de haver muitas ocasiões em que trocamos de papéis, e serão eles a escutar-nos a nós.

E pronto, depois é só treinar. E treinar, e treinar. 

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