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20 de Março de 2018 às 21:13

O momento zen de Francisco Louçã

Louçã é um dos maiores apoiantes do actual governo, com poiso, à vez ou simultaneamente, no Expresso, no Público, na SIC e na TSF.

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Há um clipe do célebre concerto de 1969 dos Rolling Stones na pista de desportos motorizados de Altamont, na Califórnia, que é uma pequena sensação cómica na internet. Durante cerca de um minuto, enquanto os Stones tocam a "Under My Thumb", um motociclista do grupo Hell's Angels é filmado em "close-up" no palco, ao lado de Mick Jagger, numa monumental "trip" de ácidos (as imagens constam do documentário "Gimme Shelter" mas chega-se lá escrevendo no YouTube a seguinte pesquisa lapidar: "Infamous Hell's Angel's Freakout at Altamont").

 

O concerto é célebre por ter sido trágico. Houve o esfaqueamento mortal de um fã numa rixa com membros dos Hell's Angels, precisamente durante a "Under My Thumb", e outras três mortes acidentais. A verdade, porém, é que a esta distância, e retirado do contexto, aquele minuto de esgares desvairados e demais linguagem corporal apocalíptica é hilariante. Peço desculpa.

 

De tanto ver o clipe, as imagens colaram-se-me à cabeça. É uma espécie de metáfora mental a que recorro incontrolavelmente sempre que vejo alguém a alucinar em público. Políticos demagogos, por exemplo, ou outros charlatães que entusiasmam o povo com as suas teorias da conspiração.

 

Foi nessa metáfora que pensei quando li o artigo de Francisco Louçã no Expresso de 10 de Março ("Um milhão por ano: uma empresa generosa para o CDS"). É um delírio de antologia.

 

Louçã incomoda-se com o facto de Assunção Cristas ter uma coluna no Correio da Manhã, na qual comenta a actualidade política - com frequência, veja-se bem, fazendo a apologia da sua visão das coisas.

 

O que é que se conclui daqui? Citemos Louçã: "A publicidade tem um preço. No Correio da Manhã, é 15.070 euros por página, mais IVA. Assim, ao chegar às eleições de 2019, Cristas terá recebido o favor de 2,351 milhões de euros em publicidade não paga, mais os 541 mil euros de IVA que poupou, num total de 2,892 milhões. Não sei se a decisão partiu da Altri, a gigante da pasta de papel que é proprietária do jornal e que conhece bem a ex-ministra, que se destacou enquanto esteve no governo pela proteção ao setor dos eucaliptos, ou da direção do Correio da Manhã. Mas que todos trocaram publicidade mal disfarçada pela oportunidade de um debate interessante, isso é facto".

 

Ou seja, para Louçã, a coluna de Assunção Cristas não é só a coluna de um protagonista político a dar conta da sua interpretação da realidade e das suas prioridades. Ela é a arma fumegante que prova um crime de corrupção. Cristas favoreceu o negócio dos eucaliptos e a dona dos eucaliptos deixa-a espraiar-se no Correio da Manhã. É ou não é uma alucinação vintage?

 

Como acontece neste tipo de casos mais agudos, quem delira não está ciente da figura que faz. Nem vale a pena explicar que a acusação de que o anterior governo conferiu protecção especial ao "sector dos eucaliptos" é uma rotunda mentira, posta a circular pela esquerda para culpar Assunção Cristas pelos incêndios de Junho e Outubro. Basta ver que Louçã nem sequer percebe que ele próprio encaixa na sua "teoria" (chamemos-lhe assim): Louçã é um dos maiores apoiantes do actual governo, com poiso, à vez ou simultaneamente, no Expresso, no Público, na SIC e na TSF. Um governo, note-se, cujo primeiro-ministro também já foi colunista do Correio da Manhã.

 

Será que os serviços de intelectual orgânico de Louçã são opinião ou "publicidade mal disfarçada"? Não sei. Mas vezes demais são apenas o lixo, tóxico para o espaço público democrático, de um populista sem escrúpulos.

 

Advogado

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