Opinião
Os dilemas da social-democracia
Ainda mal refeitos dos abalos que os primeiros dias da presidência de Donald Trump estão a causar, os europeus começam a ter de olhar para os desafios que se lhes apresentam em 2017.
O falhanço da ideologia da austeridade é claro. E o regresso do nacionalismo vem associado à insegurança económica e social. Fala-se muito das eleições em França e na Alemanha. Mas o primeiro grande desafio à solidez da União Europeia vem já em Março, com as eleições num país que é fundador da UE, a Holanda.
O nervosismo já é visível: o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, escreveu uma carta aberta aos seus cidadãos onde dizia que "algo está errado com o nosso país", acrescentando que "a maioria silenciosa" não vai tolerar emigrantes que cheguem para "abusar da nossa liberdade". Rutte lidera o Partido do Povo para a Liberdade e Democracia, de centro-direita, e a carta surge quando a extema-direita do Partido da Liberdade de Geert Wilders aparece como favorito nas eleições. Wilders é um defensor da "retirada" da UE. Imagine-se se ganhar.
Esta confusão no centro-direita, que se radicaliza para tentar recuperar votos da extrema-direita, afecta outros sectores. Sobretudo o anémico bloco socialista e social-democrata, que como se vai vendo, não só não conseguiu ser o contraponto na Europa à hegemonia ideológica alemã e neoliberal de Bruxelas, como se tornou num instrumento dessas políticas, perdendo aí a sua diferenciação social, política e económica. Basta olhar para o triste espectáculo do PSOE em Espanha e fragmentação do PS francês depois dos anos miseráveis da liderança de François Hollande.
Portugal só não está nessa posição devido ao brilhantismo táctico de António Costa. Seja como for, o bloco socialista/social-democrata assiste à destruição paulatina do Estado social e à pulverização e resignação social (que Passos Coelho desenvolveu em Portugal com os resultados que hoje se podem observar fora das elites lisboetas). Manuel Valls, em França, identificou-se com uma política de austeridade e de cortes sociais e laborais que não o diferenciaram muito de um governo mais à direita. A história do "não há alternativas" condenou os socialistas europeus a um vazio ideológico onde se afundaram com convicção.
A ideologia da austeridade e a política de oferta (flexibilização laboral e orçamentos equilibrados) juntou-se ao fim das políticas de escape, como a flexibilidade cambial, o que deixou poucas margens para fazer políticas "à esquerda". Com o euro como garrote e a aversão dos alemães a liberdades fiscais, a esquerda socialista perdeu a sua autonomia política.
Confrontado com a vontade de Trump de destroçar a UE como bloco económico e com a vontade interna dos partidos mais radicais de fazer implodir o poder de Bruxelas, não se vislumbra um discurso alternativo do socialismo/social-democracia europeia a esta miséria austeritária que se tornou a ideologia reinante na Europa. Porque interessa à Alemanha. Vivemos tempos de insegurança e de extremismo. E, no fundo, isso é cíclico nas sociedades. Só não o vê quem está distraído. Como os sociais-democratas europeus.
Grande repórter