Opinião
O modelo Robles
A questão com o imóvel de Robles não tem que ver com a legalidade dos seus desejos capitalistas e de aproveitar a onda que tem levado à marcha forçada com que se tem corrido os alfacinhas de Lisboa. Tem apenas que ver com ética e moral.
Já não há heróis conscientes de que o são. Num momento de virtude, por exemplo, Rick, de "Casablanca", renuncia a tudo o que mais deseja e sacrifica-se para, efectivamente, salvar o que mais quer. E, já agora, salvar-se a si próprio. Com Han Solo, de "A Guerra das Estrelas", ocorre algo parecido. Individualista e cínico, é sempre fiel a si próprio, aos seus amigos e ao seu destino. Ricardo Robles, transformado num herói com causas pelo BE, não é Rick nem Han Solo. É uma estátua de sal: olhou para trás e deixou de ser detentor do seu destino. O imóvel de Robles destruiu a sua carreira política e mostrou os telhados de vidro do BE. Robles deixou de ser um modelo: é uma imagem desfocada. Não surpreende a evolução. O BE, em Lisboa, é uma ciclovia do projecto imobiliário global que é a única política de Fernando Medina e Manuel Salgado para a capital. Basta ver, como triste exemplo recente, o açambarcamento de espaço público feito pela CML à volta da antiga Feira Popular para dar mais valor ao local. Algo que, apesar da sua lírica de Parque Mayer, Robles tem apoiado com candura.
A questão com o imóvel de Robles não tem que ver com a legalidade dos seus desejos capitalistas e de aproveitar a onda que tem levado à marcha forçada com que se tem corrido os alfacinhas de Lisboa. Tem apenas que ver com ética e moral. Espinoza acreditava na ética das convicções e Leibniz defendia a ética da acção. Robles e o BE, como se imagina, ignoram Espinoza ou Leibniz. Por isso consideram que não tem de haver correspondência entre o que se defende e o que se faz. Errado: o BE tornou-se igual aos que critica. Catarina Martins, que acha que há uma conspiração cósmica contra o BE, fomentada por uma comunicação social refém da pós-verdade, não percebeu que o caso Robles é monóxido de carbono. Esquece-se que os "media" que agora critica sempre foram muito bondosos para o BE: elevaram-no a limpa-nódoas da nossa política. Não é. O BE é um recente Dorian Gray: parece jovem, mas está velho e carcomido pelo desejo de poder.
Grande repórter