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QREN à deriva

O QREN não tem falta de árbitros, mas sim de ser mobilizado, na sua plenitude, ao serviço da recuperação económica. A incógnita está em Castro Almeida. Pois de Passos, Gaspar e Álvaro já conhecemos o suficiente.

A gestão dos fundos comunitários é a área política em que o fracasso do Governo é mais flagrante. Aqui não há Troikas, memorandos ou passados que sirvam de justificação. Há somente falta de visão, escolhas erradas e fragilidade de comando político, com consequências directas no agravamento da recessão e do desemprego. 


O Governo tem propalado que 2012 foi o maior ano de sempre na execução dos fundos comunitários. Mas a verdade é que por esta via tivemos "menos" recursos investidos na economia que em 2011. Dito de outra forma, a execução dos fundos comunitários não contribuiu para reduzir a recessão, mas sim para o seu agravamento, ao injectar na economia menos recursos do que tinha feito em 2011 e muito menos do que poderia dadas as disponibilidades. O que se passou é simples expor.

Ao mesmo tempo que gastou mais €435 milhões de fundos comunitários (por via do aumento das taxas de co-financiamento), o Governo reduziu a contrapartida nacional e anulou o efeito. Isto fez com que o total da despesa executada (i.e., grosso modo o que é injectado na economia), fosse em 2012 exactamente igual ao que tinha sido no ano anterior (cerca de €4.375 milhões).

Mas nos números de 2012 entraram cerca de €400 milhões de despesas que anteriormente eram financiadas pelo Orçamento de Estado ou por outras vias, i.e., não se tratou de "execução nova", mas sim da passagem para "dentro dos fundos" de despesas (nomeadamente nas áreas da educação, ensino superior, ciência e infra-estruturas), que antes eram suportadas por outra fonte. Registe-se aliás que a única decisão do último Conselho de Ministros foi a de repetir esta estratégia em 2013.

Isto significa que a execução dos fundos comunitários em 2012 deverá ter tido "um contributo líquido negativo" para a economia em torno de €400 milhões, agravando a queda do PIB em cerca de 0,4% face a um cenário em que a execução se tivesse mantido nos níveis e termos de 2011.

O mais incrível desta história é que não há uma boa razão para que isto tenha acontecido. Não foi a necessidade do défice sobre o investimento, e muito menos a falta de fundos. Era possível apoiar mais a economia ao mesmo tempo que se apoiava a redução do défice e da dívida. Uma boa estratégia teria permitido mobilizar cerca de €6.000M em 2012 e 2013, a alocar ao reforço do investimento e/ou à redução da dívida, sem comprometer os níveis de investimento em curso. Era aliás a única estratégia racional dada a grande disponibilidade de fundos e a entrada em vigor do "novo QREN" em 2014.

O que se passou foi a conjugação de falta de visão, com escolhas políticas erradas e fragilidade de comando político. Em vez da mobilização plena do QREN assistimos à diabolização de toda a iniciativa pública, independentemente do seu mérito e capacidade de avançar. Em vez de agilizar processos e requisitos, deu-se campo aberto ao Ministério das Finanças e à estúpida lógica (só nova no grau) de tentar controlar a despesa através de uma inenarrável, despótica e ineficaz teia de autorizações, despachos e procedimentos. Em vez de perceber que a execução dos fundos ajuda ao défice, pois só as receitas de IVA (sem contar com IRS, Segurança Social, ou redução do desemprego) são amplamente superiores à contrapartida nacional, insiste-se no contrário.

Por último, quando se exigia foco e comando político ao mais alto nível, dada a centralidade do QREN na equação económica, financeira e social que o país enfrenta, permitiu-se quase tudo: a fragmentação do poder e a instalação de grupos em guerrilha permanente, o reforço da tecnocracia e dos interesses próprios. Tudo em detrimento do essencial.

A passagem da gestão dos fundos para a Presidência do Conselho de Ministros não resolve nenhum destes problemas e pode até agravar a situação. O QREN não tem falta de árbitros, mas sim de ser mobilizado, na sua plenitude, ao serviço da recuperação económica. A incógnita está em Castro Almeida. Pois de Passos, Gaspar e Álvaro já conhecemos o suficiente.

Economista. Deputado do PS.
Ex-Secretário de Estado do Desenvolvimento

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