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Por uma nova política económica - IV

A estratégia inicial do memorando e do Governo em não avançar para um processo global de renegociação da dívida foi, até certo momento do tempo, correcta e defensável.

Os resultados da 7.ª avaliação chocaram o país pelos números dramáticos na economia e no desemprego. Volvidos quase dois anos desde o memorando original, o processo de ajustamento encontra-se em completo e irremediável desequilíbrio: entre 2010 e 2013 o PIB irá contrair 7% (face aos 3% previstos), o investimento irá cair 32% (antes 15%), as exportações subirão 12% (antes 20%) e o desemprego atingirá 18,2% (antes 13,3%). A dívida será superior a 122%, bem acima dos 115% antecipados. 


Mas o pior resultado desta 7.ª avaliação é outro. É o facto de Portugal manter uma estratégia de ajustamento sem qualquer credibilidade face à situação económica do país e do exterior.

Perante a entrada da Europa em período de prolongada estagnação (i.e., quando não é crível contarmos com um rápido crescimento das nossas exportações nos próximos anos) e perante restrições severas a financiamento acessível ao sector empresarial (que no global se manterão), manter uma política de forte recessão na procura interna e aumentar os riscos de deflação é algo que escapa a qualquer racionalidade. Mesmo daqueles a quem só interessa que Portugal pague a sua dívida.

A estratégia inicial do memorando e do Governo em não avançar para um processo global de renegociação da dívida foi, até certo momento do tempo, correcta e defensável. O facto de termos níveis de dívida muito inferiores aos da Grécia permitia optar por uma estratégia "à irlandesa", i.e., evitar os danos de reputação e os sobrecustos de uma renegociação alargada, ao mesmo tempo que se ganhava espaço para aproveitar e construir junto dos nossos parceiros todas as oportunidades de "renegociações discretas". Era seguramente difícil e exigente em termos económicos e políticos, mas como todos os dias vemos com clareza, a rápida recuperação da autonomia política do Estado português face aos credores institucionais é um activo de valor incalculável.

Mas até esta possibilidade foi posta em causa pela profunda deterioração da envolvente externa, mas sobretudo pela incapacidade de proceder a tempo às correcções necessárias no nosso ajustamento. E o erro de obstinação na estratégia vem pelo menos desde a 5.ª avaliação, quando tudo era já perfeitamente visível.

Hoje, na frente da dívida, a aritmética mostra-nos com clareza a fragilidade das opções em curso. Neste momento a estratégia resume-se ao seguinte: nos próximos dois anos iludir o rápido crescimento da dívida através de todo o tipo de operações extraordinárias, estimando-se entre 8 e 10% do PIB os recursos que para este fim venham a ser mobilizados (fundos de pensões, concentração da tesouraria, etc.). Logo a seguir, a partir de 2015, veremos operado o "milagre do crescimento duradouro" e tudo entrará nos eixos: Portugal crescerá acima de 2%, a inflação estará também em torno desse valor, pelo que resta prosseguir o caminho rumo a excedentes primários na casa dos 2 ou 3% do PIB e mantê-los durante umas décadas que tudo ficará bem de novo. Em síntese, teremos de melhorar o saldo primário em 4% do PIB e colocar a economia a crescer ao valor máximo da década passada, a partir da actual recessão, com a Europa em estagnação e dentro da moeda única. E tudo isto para ontem, pois as folgas esgotam-se rápido.

Como é óbvio nada disto tem credibilidade nem constitui qualquer base sólida para o futuro do país. E é por esta razão que a renegociação da dívida deve ser hoje, a par da estabilização da economia e da melhoria da competitividade (sobre que já escrevemos), um dos pilares centrais de uma nova política económica.

Defendemos pois a proposta de "renegociação honrada" formulada por Miguel Cadilhe, como solução capaz de integrar uma credível estratégia de recuperação, ao assegurar diferentes equilíbrios. Um processo que mantenha a honra da República, mas que adeqúe realisticamente os juros e as maturidades a um previsível período de prolongado muito baixo crescimento. Um processo que permita e apoie a recuperação da economia, mas que ao mesmo tempo seja acompanhado das reformas capazes de assegurar a sustentabilidade das nossas finanças públicas no mesmo quadro de prolongado muito baixo crescimento.

Esta não é uma proposta fácil e sem custos. Exigirá uma negociação muito difícil e a capacidade de fazer a Europa trilhar novos caminhos na resposta à crise. Mais ainda, exigirá antes disso a capacidade de na sociedade portuguesa se estabelecer um compromisso estável e sólido quanto a um novo e credível processo de ajustamento. Mas tem um mérito: pode funcionar.

* Economista. Deputado do PS



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